Overbooking: pode a teoria económica encontrar uma solução?

O mais importante é que o cliente seja compensado num montante pelo menos igual à valorização que atribui ao voo.

Já alguma vez um hotel recusou a sua reserva porque estava cheio? Já teve de esperar durante horas num dentista, apesar de ter marcado a sua consulta a uma determinada hora? Foi-lhe vedada a entrada no concerto para o qual os seus amigos lhe ofereceram bilhete como prenda de anos, porque o recinto já tinha atingido a sua capacidade máxima? Ou já se viu sem poder embarcar num avião, com um bilhete comprado meses antes, porque este estava cheio? Pois bem, estamos a falar de casos de overbooking. O overbooking acontece, pois, sabendo de antemão que existe uma forte probabilidade de haver alguns clientes a não comparecer, designados de no-show, a empresa em questão opta por vender mais lugares do que aqueles que tem disponíveis. Esta prática permite que as empresas aumentem os seus lucros enquanto otimizam os seus recursos criando, no entanto, muitas vezes, constrangimentos diversos para os clientes.

As companhias aéreas acabam por protagonizar os casos mais mediáticos de overbooking. Mas qual o mecanismo que permite a estas companhias aéreas escolher o número ótimo de lugares a serem vendidos? Observando a taxa de desistência de uma rota aérea em períodos anteriores, a companhia poderá tirar conclusões sobre qual é o número esperado de pessoas que não irão comparecer nesse voo. Ora, a teoria económica, de uma maneira simples, diz-nos que a empresa venderá o número de lugares que permita maximizar os seus lucros tendo em conta o preço de venda e a compensação que terá de pagar aos passageiros que acabarão por não viajar, tudo isto baseado em complexas estimativas estatísticas.

Existem, no entanto, objeções éticas a ter em conta quando falamos de overbooking. Talvez a mais levantada esteja relacionada com o facto de se vender o mesmo recurso a duas pessoas. Pessoalmente discordo. O problema surge se a companhia aérea, que vendeu o mesmo lugar a essas duas pessoas, não estiver disponível para pagar a um dos clientes o montante que o faça abdicar, de livre vontade, do seu lugar. Ou seja, o problema surge quando o preço máximo que a empresa está disposta a pagar é menor que o preço de reserva do cliente. Por outro lado, também é argumentado que quando um cliente compra um bilhete de avião tem de ter em consideração uma potencial situação de overbooking. Este tipo de argumentação vai-se escudando em condições contratuais que preveem essas situações e que são implicitamente aceites pelo cliente aquando da compra do bilhete. No fundo está-se a sugerir que comprar um bilhete de avião é como comprar um bilhete de lotaria. O consumidor não está efetivamente a comprar um lugar no avião, mas sim a habilitar-se a viajar nesse avião. Como tal, uma eventual solução para mitigar o problema de não viajar até ao destino pretendido é optar por comprar mais bilhetes. Assim, como em qualquer lotaria, “quantos mais bilhetes comprar mais probabilidade terá de viajar/ganhar”.

Ironias à parte, esta parece uma solução pouco desejável. Mas como se pode, então, resolver este problema da maneira mais eficiente possível? Uma potencial solução é não permitir o overbooking. No entanto, uma análise mais atenta deixa perceber que, em consequência do aumento dos lugares vazios por viagem, os preços iriam aumentar e/ou as margens de lucros das companhias aéreas iriam diminuir. Também não é de desprezar os impactos no meio ambiente. Como o combustível necessário para o avião cumprir a sua viagem é residualmente o mesmo com o avião lotado ou com alguns lugares vazios, a quantidade de poluição produzida por viajante aumentaria.

Outra possibilidade é a renegociação do contrato de voo. Ou seja, o passageiro teria o direito a vender de volta o lugar à companhia aérea pelo valor que considerasse justo. A minha sugestão seria um leilão de preço ascendente ou Inglês em que, tal como o nome sugere, o preço é anunciado de uma forma crescente. Nesta abordagem, quando um dos passageiros achar que o valor anunciado é suficiente, manifesta o seu interesse e abdica do direito de viajar, recebendo esse mesmo valor. Esta solução tem uma grande vantagem: permite à companhia aérea encontrar o valor mínimo pelo qual um determinado passageiro está disposto a abandonar o avião de livre vontade. Sendo natural que os passageiros não valorizem da mesma forma uma mesma viagem, o mecanismo permite não só identificar o(s) passageiro(s) que menos valoriza(m) a rota, como também compensá-los na exata medida por eles considerada justa.

Obviamente que nem todos os casos de overbooking têm de ser resolvidos usando um leilão. Existem mecanismos de compensação previstos em caso de overbooking. Caso algum viajante se sinta confortável com este montante irá, naturalmente, ceder o seu lugar. O mesmo se aplica caso a companhia sugerira upgrades, voos que partem umas horas mais tarde ou mesmo descontos em voos futuros. O mais importante é, sem dúvida, que o cliente seja compensado num montante pelo menos igual à valorização que atribui ao voo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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