Tribunais com decisões opostas sobre “sossego” e “comércio”

Justiça pode demorar algum tempo a fixar jurisprudência sobre o alojamento a turistas em prédios de habitação.

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Aumento de turistas fez disparar oferta de alojamento local. Paulo Pimenta

O conflito entre proprietários, uns que habitam permanentemente no prédio e outros que decidiram afectar as suas fracções ao alojamento temporário, ou para turistas, já chegou à justiça e as primeiras duas decisões de tribunais superiores foram completamente divergentes. Num caso, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a prática de alojamento temporário poderia ser realizada num prédio de propriedade horizontal (várias fracções) destinado a habitação e, no outro, o Tribunal da Relação do Porto impediu-o.

Apesar de ser admissível a existência de um número já significativo de processos nos tribunais nacionais, o certo é que não há expectativa, pelo menos para já, de fixação de jurisprudência sobre esta questão. Isso mesmo alegam os deputados do PS para justificar a clarificação legislativa através do projecto de lei que será discutido esta sexta-feira: “Ainda que pudesse ser defensável que o legislador aguardasse por momento – cuja ocorrência temporal é obviamente desconhecida – em que viesse a ser eventualmente proferido um acórdão fixador de jurisprudência e, com isso, ser colocado um ponto final na interpretação da lei actualmente vigente, a verdade é que, atento o conflito de interesses em jogo, nada justifica que o legislador se demita da função normativa e clarificadora que lhe cabe”.

A iniciativa dos deputados, que pretende colocar a decisão de autorização ou não da actividade de arrendamento a turistas nas mãos dos restantes proprietários, através de decisão da Assembleia de Condóminos, está mais próxima da decisão do Tribunal da Relação, que não foi passível de recurso.

Os juízes desembargadores da Relação do Porto não ignoram o acórdão do Supremo, até o citam, mas seguiram uma fundamentação distinta, valorizando o conceito de habitação, “como um espaço de vida doméstica com a inerente necessidade de tranquilidade e sossego, não cabendo nela o alojamento local”.

O Supremo, num processo que também opunha a associação de condóminos a um proprietário que pretendia arrendar a sua fracção a turistas, admitiu a possibilidade desse tipo arrendamento. Entendeu o tribunal superior que, apesar de considerar que a cedência onerosa de fracção mobilada a turistas era um acto de comércio, isso não significa que na fracção se exerça o comércio, pois a cedência destina-se a habitação. Ou seja, apesar da proibição de arrendamento turístico aprovada em assembleia de condóminos, e do título constitutivo da propriedade horizontal estabelecer como destino a habitação, o Supremo entendeu que era possível o arrendamento local, ou de curta duração, como é vulgarmente designado.

A Relação do Porto contrapôs a interpretação, considerando que, “salvo o devido respeito [pelo acórdão do Supremo], a questão está longe de esgotada dada a relevância e complexidade dos factores envolventes”. O acórdão explorou a vertente económica da actividade de arrendamento local nomeadamente pelo enquadramento fiscal distinto: categoria B no local e F no permanente.

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