PS defende soluções vetadas pelo Presidente e põe pressão no PSD

Jorge Lacão defendeu o mérito das alterações contestadas pelo chefe de Estado mas não quis dizer se os socialistas vão querer confirmar a lei. Preferiu sublinhar que vai manter a filosofia do “trabalho conjunto” e do “máximo consenso possível” com o PSD, PCP, BE e PEV.

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O primeiro debate após o veto não foi conclusivo MANUEL DE ALMEIDA

O primeiro debate sobre o veto do Presidente da República às alterações da lei de financiamento dos partidos resultou numa tripla: dos seis partidos parlamentares, dois defenderam claramente o “expurgo” das normas criticadas pelo chefe de Estado (CDS e PAN), dois são pela sua confirmação (PCP e PEV) e os dois maiores, PSD e PS, reservaram uma posição clara para o momento em que a lei voltar a debate, em finais de Fevereiro. Mas os socialistas foram claros na defesa do mérito das alterações vetadas, o fim do limite da angariação de fundos e a isenção total de IVA aos partidos.

Pela voz de Jorge Lacão, a bancada do PS garantiu que aquelas duas alterações fazem sentido. “Não faz sentido que os partidos sejam os únicos organismos em Portugal a terem constrangimentos à possibilidade de angariar financiamento”, sustentou, reforçando as palavras antes proferidas pelo comunista António Filipe no mesmo sentido.

“Faz sentido que os partidos sejam os únicos a ter limites à angariação porque são os únicos que podem ganhar eleições, ganhar câmaras e governar o país e devem ser evitados qualquer tipo de promiscuidades”, ripostou o líder parlamentar do CDS. Nuno Magalhães questionou directamente Lacão sobre  o que vai fazer o PS, mas ficou sem resposta clara.

Lacão preferiu sublinhar que o PS vai manter a filosofia do “trabalho conjunto” e do “máximo consenso possível” com o PSD, PCP, BE e PEV sobre o financiamento dos partidos e levará essa atitude “até ao fim”. Ou seja, se por um lado deixa no ar a ideia de que poderá confirmar o texto que aprovou em Dezembro quando ele voltar a ser apreciado em plenário – opção já assumida por PCP e PEV -, por outro mostra que está à espera do que irá decidir a futura direcção do PSD – até porque precisa do apoio dos sociais-democratas, uma vez que a confirmação do diploma por cima do veto presidencial exige maioria de dois terços.

Na apreciação geral sobre o veto, por exemplo, o socialista aproximou-se mais da intervenção do PSD: os dois partidos afirmaram que “a democracia funcionou” porque o parlamento usou o poder de legislar e o Presidente o de vetar. “Aceitamos como inteiramente normal o exercício do poder de veto”, disse Lacão, afirmando que a bancada está “disponível para ponderar todas as recomendações” presidenciais. Uma decisão final dos partidos só será tomada depois do congresso do PSD, ou seja, não antes da última semana de Fevereiro, a pedido do PSD na conferência de líderes.

Mas a defesa que fez sobre o mérito das alterações e a colagem ao PCP deixam perceber que a tendência neste momento é para manter as leis vetadas. Sobre a isenção do IVA o socialista disse o mesmo que o PCP sustentara, quase com as mesmas palavras: “É apenas uma clarificação” pois “não deve haver uma interpretação discricionária da Autoridade Tributária sobre as despesas que devem ou não estar isentas de IVA”.

Na declaração política do PS, Jorge Lacão foi bastante duro com o CDS, acusando-o de ter uma “atitude política de má-fé” e de não se “portar com dignidade” ao criticar agora a lei em cuja discussão participou durante meses num grupo de trabalho e não levantou reservas sobre a norma transitória que diz que as novas regras se aplicam aos “processos novos e pendentes” actualmente em tribunal – a mesma norma que quer agora revogar. Uma norma que, acrescentou o deputado socialista, foi colocada na lei “na sequência da sugestão do Tribunal Constitucional” e que não inclui “intenção nenhuma de retroactividade”.

Antes, as intervenções do social-democrata José Silvano, presidente do grupo de trabalho sobre o financiamento partidário, do ecologista José Luís Ferreira e do comunista António Filipe foram uma espécie de passa-texto destes partidos com o PS.

José Silvano contestou a ideia do secretismo e quis saber, pela “experiência” de Lacão, se não é natural os partidos trabalharem informalmente em grupos de trabalho. O socialista aproveitou para criticar o antigo líder do PSD, Luís Marques Mendes, por dizer que o processo foi um “escândalo”, e afirmou que a revisão constitucional de 1997 foi concertada precisamente assim, entre o PS e o PSD, sem actas nem acordos escritos entre os partidos. Uma forma de atirar uma farpa também ao Presidente da República, que na altura era o presidente do PSD.

O comunista António Filipe atacou as normas "abusivamente intrusivas [de fiscalização] sobre os partidos" que a lei do financiamento implica, censurou a existência de um plafond anual para a angariação de fundos e defendeu ser "completamente falso" que possam passar a pedir a devolução da totalidade do IVA das suas despesas. Lacão argumentou que a lei dos partidos estipula o seu "princípio da liberdade" e de não submissão a "interferências das autoridades públicas".

Populismos, secretismos e mentiras

José Luís Ferreira criticou os que “distorcem o caminho da discussão” que mas ainda irão ganhar com este “negócio” e quis saber se a “discussão anti-partidos é boa ou má para a democracia”. Foi a deixa para o socialista atacar o CDS sobre a questão da dignidade, queixando-se também que “está na moda fazer dos partidos o bombo da festa”.

“O pior que se pode fazer é dar razões para que se manifestem os populismos”, ripostou António Carlos Monteiro. Antes, no pequeno debate sobre o veto presidencial, o centrista António Carlos Monteiro e o comunista António Filipe protagonizaram o momento mais tenso da discussão, com o primeiro a indignar-se com acusações de mentira e o comunista a criticar o peso do financiamento público nas contas dos centristas: "Os senhores vivem à conta dos contribuintes".

António Filipe também atirou ao Presidente da República, quando contestou a "ausência de fundamentação publicamente escrutinável" destas alterações legislativas: "Não nos lembramos de uma matéria não escrutinável que tivesse sido tão escrutinada como esta”. Segundo António Filipe, esta matéria foi escrutinada, sim, "com base na mistificação e na mentira", mas "o PCP não renega nada do que assinou e do que aprovou e não se deixa intimidar por quaisquer campanhas de manipulação da opinião pública".

Em sentido diverso, Lacão concordou que "é legítimo questionar-se da justificação das condições de publicidade que o diploma pôde obter" e mostrou abertura a uma reflexão sobre "tempos de agendamento e as condições preparatórias dos diplomas".

No seu minuto de intervenção, o PAN teve tempo para dizer apenas que acompanha o veto presidencial e lembrar que se opôs às “medidas avulsas” introduzidas nas regras do financiamento. “O financiamento deve ser eminentemente público, e a lei deve ter limites” à angariação de fundos, defendeu André Silva.

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