Talento em bruto ou bruto sem talento?

James Franco interpreta e realiza esta história sobre a filmagem do Citizen Kane dos filmes maus, questionando com humor a natureza do talento e do sucesso.

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James Franco, em tempos aclamado como “o próximo James Dean”, recusou as lógicas de catalogação de Hollywood
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Se o estimado leitor nunca viu The Room, não é por aí que Um Desastre de Artista lhe vai passar ao lado. Tal como não era preciso ter visto o cinema de Ed Wood para apreciar o filme que Tim Burton dedicou ao “pior realizador do mundo”, também não é essencial neste caso saber quem é Tommy Wiseau, criatura estranha que diz vir da Luisiana embora a voz o identifique como alguém oriundo de fora dos EUA, que investiu uma pequena fortuna (proveniente não se sabe muito bem de onde) em The Room, o “Citizen Kane dos filmes maus”. Um Desastre de Artista encarrega-se de preencher as lacunas para os não-iniciados, explicando como é que uma ave rara, caída sabe-se lá de onde, escreve, produz, realiza e interpreta, com absoluta convicção de que está a fazer uma obra-prima, um filme de tão pura e incompreensível inépcia que a única razão para o ficarmos a ver é para ver até onde a coisa pode descer.

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Foi precisamente essa curiosidade mórbida, de desastre que não conseguimos evitar, que tornou The Room (2003) num fenómeno de culto um pouco por todo o mundo (Portugal inclusive, muito por obra dos esforços do músico e divulgador Filipe Melo). O filme de James Franco, adaptado do livro que Greg Sestero, um dos actores de The Room e amigo de Wiseau, dedicou à experiência está, no entanto, menos interessado na reacção ao filme do que na sua criação. Percebe-se porquê: Franco, em tempos aclamado como “o próximo James Dean”, recusou as lógicas de catalogação de Hollywood. Atirou-se à produção e à realização, experimentou a telenovela como parte de um projecto artístico, entrou em pequenos filmes independentes como Uivo ou comédias auto-referenciais como Isto é o Fim! e, no geral, insistiu teimosamente em decidir por si próprio para onde ia, mesmo que fosse a única pessoa a percebê-lo.

Um Desastre de Artista é uma “súmula” desse processo de exploração: um filme razoavelmente mainstream sobre a natureza do talento (é algo com que se nasce ou que se aprende? Basta acreditar que se tem, ou isso não chega?). E é também um auto-retrato por interposta pessoa: Franco, que realiza e também interpreta Tommy Wiseau nesta história verídica da criação e filmagem de The Room, praticamente obriga o espectador a questionar se o seu “herói” é um talento em bruto à espera de ser reconhecido ou apenas um bruto sem talento. A relação que o filme pinta entre Wiseau e Sestero, que independentemente do talento (ou da falta do dito) formam uma frente unida contra o sistema de Hollywood, é a de dois inocentes optimistas dispostos a tudo para cumprirem o seu sonho. E como não torcer pelo seu triunfo, mesmo quando o resultado é um disparate inexplicável? É nesse “limbo” entre vontade e resultado que Um Desastre de Artista se instala: interessa mais entrar nos eixos (profissionais, responsáveis, pré-definidos) que nos são impostos pelos outros, ou seguir o nosso próprio caminho, leve-nos ele onde levar? James Franco não oferece uma resposta cabal. The Room não é melhor filme por causa disso, mas Um Desastre de Artista propõe-nos uma outra maneira de o ver.

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