Como uma fotografia viral pôs os brasileiros a falar de racismo

Uma fotografia de um menino negro de nove anos, em tronco nu, a assistir ao fogo-de-artifício em Copacabana, tornou-se viral depois de o fotógrafo a partilhar. Os comentários e as partilhas dividem-se entre a "indiferença" ou "apenas o espanto" perante o espectáculo

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Lucas Landau/Reuters

Uma fotografia de uma criança em tronco nu, à frente de uma multidão em festa, vestida de branco, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, tornou-se viral no Facebook. O menino negro, de nove anos, aparece no mar, alegadamente sozinho e parece estar hipnotizado pelo fogo-de-artifício que assinala a mudança do ano.

No plano de fundo, outras pessoas assistem ao mesmo espectáculo, quase todas de costas voltadas, a registar o momento em fotografias de grupo. O autor, o fotógrafo freelancer Lucas Landau, estava também na água a fotografar para a agência Reuters. Foi ele quem partilhou a imagem, a preto e branco, que rapidamente se tornou viral nas redes sociais, com milhares de partilhas no Brasil.

A discussão começou quando, na publicação na página pessoal do fotógrafo brasileiro, surgiram vários comentários com interpretações diferentes da imagem. Se uns vêem uma criança pobre e assustada, “a imagem da exclusão social” e da “indiferença”, outros só conseguem ver um menino de nove anos espantado com a explosão de cores do espectáculo.

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Outra fotografia, da mesma noite, que Lucas Landau partilhou na sua página do Facebook Lucas Landau/Reuters

A edição brasileira do El País cita uma pergunta de activistas do movimento negro: “Veríamos a fotografia da mesma maneira se o protagonista fosse um menino branco e loiro?”. Já Mayara Assunção, do Coletivo Kianda, comenta no mesmo post que vê apenas “uma criança que parou para olhar a queima de fogos no meio de uma festa”. “Sinceramente, nós temos que parar de achar que todo menino negro e sem camisa está abandonado, triste, sozinho, infeliz e contrastando com a felicidade dos outros”, acrescenta. 

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A fotografia, a cores, enviada à Reuters Lucas Landau/Reuters

A imagem, no entanto, foi amplamente partilhada por páginas de apoiantes de partidos de esquerda, por considerarem que "reflecte o estado actual do Brasil”. Entretanto, um espaço cultural que actualmente está a expor imagens do fotógrafo — focadas em crianças do Brasil e de África — veio dizer que “esta não foi a primeira vez que Lucas Landau virou suas lentes para as crianças e buscou nelas a beleza”. “As suas fotos trazem a inocência e o encantamento que o olhar da infância proporciona, longe de qualquer estereótipo”, escrevem.

Outras pessoas, porém, apontam outro aspecto da questão: a captação e comercialização da imagem sem a autorização do menor ou dos pais. O fotógrafo não sabe quem é a criança, nem o seu nome. Alega ter perguntado, mas não ouviu “por causa do barulho”. Também não sabe responder se ele estava “sozinho ou com família”. “Essa fotografia abre margem para várias interpretações”, admite, “todas legítimas, a meu ver”. Lucas Landau faz ainda um apelo para que o avisem, caso descubram quem ele é.

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