Desaparecimento de arte sacra põe Judiciária atrás de padre

Marcelo Rebelo de Sousa prefaciou o mais recente livro do sacerdote, que vendeu algum do património religioso da paróquia do Santo Condestável a antiquário.

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Rui Gaudêncio

O desaparecimento de arte sacra da paróquia do Santo Condestável, em Lisboa, está a ser investigado pela Polícia Judiciária. O caso tem um arguido: o padre António Teixeira, que viu recentemente Marcelo Rebelo de Sousa, prefaciar um livro seu onde fala do perfil espiritual do pároco. Agora, o Presidente da República diz-se chocado.

Em causa estão objectos de vários géneros, de vestes religiosas – que no jargão da igreja dão pelo nome de paramentos – até material usado para ornamentar o altar, como toalhas e castiçais, passando por uma taça de prata dourada com pedras preciosas e imagens do séc. XVIII.

Parte deste material foi vendido a um antiquário, supostamente para financiar obras na casa paroquial quando o padre Teixeira para ali se mudou, em 2015, vindo da paróquia de Carcavelos. Mas objectos houve, segundo fontes próximas do arguido, que foram simplesmente para o lixo, por não terem resistido à passagem do tempo. A mesma fonte garante que o pároco tem facturas quer das peças que vendeu quer das obras que mandou fazer e resume todo o caso a uma “quezília entre padres”. Contactado pelo PÚBLICO, o Patriarcado confirma que lhe chegou em Março a informação do desaparecimento das peças, tendo sido “determinado que o caso fosse apresentado à Polícia Judiciária”. Mas pouco mais adianta, além de que nesta altura já “o sacerdote em causa tinha sido substituído”, dois meses antes e a seu pedido, “não desempenhando actualmente qualquer cargo pastoral”.

Na realidade ainda celebra missa na igreja da Madorna, na Parede. O Patriarcado termina o seu parco esclarecimento com uma observação: “Sem precipitar juízos que cabem aos tribunais, cumpra-se a lei e acompanhem-se as pessoas”.

Oriundo de Chelas, um bairro social de Lisboa, António Teixeira costuma contar que resolveu juntar-se à igreja depois da vinda a Portugal do Papa João Paulo II em 1982, tinha ele 16 anos. “Vi na televisão aquele homem vestido de branco, com um entusiasmo tremendo e com uma multidão incontável de jovens. O que me perturbou e me fez pensar: ‘Porque é que eu não estou ali também?’”, recordava à agência Ecclesia em 2014. A seguir leu a história de Jesus e “fez-se um clique”. Nove anos mais tarde, já ordenado padre, conseguiu chegar à fala com o chefe máximo da igreja católica quando este voltou a visitar o país.

Ao longo das duas décadas e meia de sacerdócio que leva, o prior arregimentou uma pequena legião de fiéis, presos às suas palavras desempoeiradas e com frequência críticas das tendências mais conservadoras da igreja. Mas também suscitou inimizades. No Verão de há dois anos deixou Carcavelos na sequência de cartas e sms anónims. Algo que acabou por se repetir no Santo Condestável, em Campo de Ourique, onde havia quem não se revisse na forma como geria a paróquia. “Como é que uma paróquia ‘sem dinheiro’ se dá ao luxo de fazer um jornal paroquial com 3000 exemplares e a maioria dos paroquianos nem sequer os viu?”, interroga uma missiva a contestar António Teixeira que chegou ao cardeal-patriarca em 2016.

Um frequentador da igreja do Santo Condestável confirma o desconforto que a actuação do padre causava, e que a mesma carta não assinada descreve: “Só se fala em dinheiro e mais dinheiro, tudo serve para fazer dinheiro”. O desaparecimento de objectos é aflorado, embora apenas de passagem: “O nosso património está a ser destruído, ou mesmo vendido, pois tudo começa a desaparecer do nosso campo visual e ninguém sabe onde está, muito ‘lixo’ deitado fora…”.

A verdade é que foi o próprio prior que se dirigiu à sede da Polícia Judiciária para apresentar queixa dos objectos desaparecidos, acompanhado do padre que o substituiu quando deixou o Santo Condestável, o colega de Santa Isabel. Só que acabou por se ir embora, tendo a participação sido feita pelo colega.

O patriarcado não diz quantas peças desapareceram nem qual o seu valor, alegando que há informações que se encontram em segredo de justiça, por causa da investigação. Pelo mesmo motivo, quer o arguido quer o seu advogado remetem-se ao silêncio. Nem todo o património desaparecido se encontrava na igreja do Santo Condestável: pelo menos duas imagens encontravam-se num outro templo da paróquia, a ermida do Senhor Jesus dos Terramotos, fechada ao culto há várias décadas.

Pelo menos parte do material foi recuperado pela Polícia Judiciária. Mas o desaparecimento das peças é conhecido apenas de um núcleo restrito de fiéis. Segundo a mesma fonte próxima do sacerdote, alguns dos objectos ter-se-ão sumido já após a sua saída.

No passado dia 12 de Dezembro, o padre Tó, como os fiéis lhe gostam de chamar, lançou na Casa das Histórias Paula Rego o seu quarto livro, que foi prefaciado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Trata-se de uma edição de autor que pode ser adquirida através de uma página criada no Facebook pelo religioso para o efeito, e cujas receitas reverterão para os bombeiros de Castro Daire.

Já em 2015, Marcelo – que conhece o sacerdote dos tempos em que ele superintendia à paróquia do Estoril – tinha estado presente no lançamento de outro livro seu. Também fã do padre, o presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, não lhe regateou elogios na cerimónia de lançamento do mais recente livro: “A comunidade cascalense tem tido grandes líderes e o padre António Teixeira é um deles”.

O Presidente da República está “surpreendido e chocado” com a notícia de que um padre seu conhecido de longa data está a ser investigado num caso de desaparecimento de arte sacra.

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