Barbearia nova, barbearia velha — ou o negócio que nunca vai acabar

Há as tradicionais e as modernas, algumas que fecham e muitas que abrem. As barbearias estão na moda — e adaptaram-se aos novos tempos. O que une e separa as diferentes gerações dedicadas ao negócio?

Barbearia nova, barbearia velha — ou o negócio que nunca vai acabar Mariana Correia Pinto, Nelson Garrido

Quando Pedro de Almeida chegou ao ofício, Nuno e Carlos Silva ainda não tinham nascido. Foi há mais de 60 anos. A Barbearia Porto, recuperada e adoptada pelos irmãos Silva em 2016, teria aberto portas há pouco tempo, corria a década de 60, século passado. E Pedro chegava à cidade grande, vindo de Resende, onde se tinha iniciado na “arte de barbeiro”, “de porta em porta e com uma caixinha atrás”. Com o mestre a supervisionar o menino de dez anos, que ao concluir a escola primária teve de se fazer à vida para ajudar os pais, lá ia “cortando uns cabelitos”, aprendendo. Combinava a tesoura e o pente com a lavoura. E aos 17 rendeu-se a Vila Nova de Gaia, onde buscava uma vida melhor.

- Tudo era diferente. Tudo.

No Salão Veneza, na Rua de Elísio de Melo, vistas para a Avenida dos Aliados, não se alimentam saudosismos exacerbados. Bate uma certa nostalgia do tempo em que as cadeiras vermelhas da casa estavam sempre cheias — e os cinco barbeiros que ali trabalhavam não tinham para onde se virar. Para lá disso, só os cabelos brancos fazem alguma mossa. “Tenho saudades de ser mais novo, isso tenho.”

Menos de cinco minutos de caminhada separaram a tradicional barbearia de Pedro de Almeida da moderna casa dos irmãos Silva. Une-os a devoção ao ofício. Separa-os o estilo. Une-os o cliente como prioridade máxima. Separa-os a faixa etária de quem mais os procura.

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Tudo começou com um kit de barbeiro, prenda de uma ex-namorada de Nuno Silva. Gostava daquele ritual de fazer a barba com vários apetrechos e volta e meia ia a um barbeiro. Mas nunca ficava completamente satisfeito. Com o kit, começou a apurar a técnica usando-se como cobaia. E pôs-se a fazer pesquisa sobre o assunto. Estávamos em 2014.

“Descobri que na Europa havia um boomzinho muito interessante”. Daí à inscrição numa escola profissional foi um instante: “Até aí nem sequer sabia pegar direito numa tesoura”, graceja. Ao mesmo tempo que trabalhava numa loja de bicicletas e num restaurante em tempo parcial, ia cortando o cabelo a uns amigos. Até que decidiu fazer profissão daquela paixão em crescimento: “A ideia era abrir uma barbearia e o ideal era encontrar uma antiga que estivesse fechada e pudesse ser recuperada.”

Encontraram. No número 6 da Rua Dr. Artur Magalhães Basto, Nuno abriu com o irmão Carlos — entretanto rendido ao mesmo ofício depois de se despedir de um trabalho na Suíça — a Barbearia Porto. “No início nem vi o potencial do espaço, o Carlos é que percebeu”, recorda. As cadeiras são ainda as originais. O resto foi pensado ao pormenor para que ir ao barbeiro seja “uma experiência”, uma espécie de “spa dos tempos modernos”. Quem vai ali para cortar o cabelo em 15 minutos e sair a correr é gentilmente convidado a procurar outro espaço. Na Barbearia Porto, um corte demora, em média, 45 minutos. O espaço puxa à permanência: a música pode ser escolhida pelos clientes (e é tocada em vinis), há cerveja ou um copo de whisky, uma pole barber e até um cão, o Rocky. Do lado de lá da montra, os turistas vão parando para fotografar, como se um monumento se tratasse. Alguns entram e tornam-se clientes também.

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Os irmãos optaram por uma barbearia clássica de inspiração americana — ainda que as grandes referências deles estejam um espaço holandês. Para eles, a barbearia é um estilo de vida: “Estamos aqui o dia todo a falar disto e vamos para casa falar disto, ver vídeos no Youtube até às duas da manhã, comentar cortes que vemos.. Quero cortar sempre melhor”, conta Nuno Silva. 

Uma vida a cortar cabelo

Pedro de Almeida faz questão de manter a traça original presente na sua barbearia, ainda que se actualize em materiais e produtos. “É o meu antigo, mas arranjado”, explica. Não teme a concorrência dos mais modernos, porque são “coisas diferentes”.  “Há espaço para todos”, sorri.

No Salão Veneza, a regra na relação com o cliente é simples: “Tem sempre razão, mesmo que não tenha, porque é ele quem nos dá o pão nosso de cada dia”, explica. É preciso estudar a pessoa que se senta na cadeira, perceber se é faladora ou nem por isso, que temas se podem ou não abordar. Pedro de Almeida reproduz um diálogo para exemplificar a ideia: “Um dia um cliente sentou-se na cadeira e o barbeiro perguntou-lhe ‘então qual é o seu clube?’. E ele respondeu-lhe: ‘é o seu’. Se me disserem que são benfiquistas sou benfiquista, se forem portistas sou portista.”

É simples explicar a magia daquele ofício, que permite um contacto quase permanente com pessoas: “Gosto porque é um profissão bonita, limpa. Não me reformo porque estou melhor aqui do que em casa”, explica Pedro, já na casa dos setentas. E os irmãos não podiam estar mais próximos: “Vamos continuar a fazer isto para o resto da vida”.

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Crise no sector não notam — e o boom de barbearias não os assusta. “Vão sobreviver as melhores”, aponta Nuno Silva. E Pedro de Almeida teoriza em jeito de diagnóstico: “Este negócio nunca pode acabar porque o cabelo e a barba crescem sempre.”

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