Esqueleto de um bebé antigo revela quem foram os primeiros americanos

A sequenciação do genoma de um bebé com 11.500 anos permitiu desvendar um povo nativo americano até agora desconhecido: os beringianos antigos. Esta é mais uma pista para desmontar a história dos primeiros habitantes humanos das Américas.

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Reconstituição de um acampamento no sítio arqueológico Upward Sun River, no Alasca Eric S. Carlson em colaboração com Ben Potter

Em 2013, num sítio arqueológico no coração do Alasca, foi encontrada uma sepultura com dois bebés. Ambos eram meninas e tinham 11.500 anos. Pensou-se logo que a partir dos seus esqueletos se podiam fazer análises genéticas e saber mais sobre a pré-história das Américas. Mas só um dos esqueletos tinha material para se sequenciar o genoma: foi o suficiente para perceber que fazia parte de um povo nativo americano que não conhecíamos até agora e que se separou há 20 mil anos do seu grupo ancestral: são os beringianos antigos, apresentados esta quinta-feira na revista científica Nature.

Há muitos mistérios sobre as primeiras colonizações pelos humanos das Américas. Mas as informações que vêm de várias áreas da ciência têm-nos permitido perceber (e isso até tem sido consensual) que as primeiras pessoas terão lá chegado através de Beríngia, uma massa de terra seca com uma área equivalente a cerca de duas vezes a Península Ibérica. Portanto, o actual estreito de Bering não existia. A Beríngia começou a emergir há cerca de 36 mil anos, na última idade do gelo. Nessa altura, os glaciares concentravam grandes quantidades de água e a Ásia e a América do Norte ficaram assim ligadas entre há 30 mil e oito mil. Entretanto, a Terra foi aquecendo e aquela região acabou por ficar submersa.

Contudo, ainda permanecia a dúvida sobre como e quando isso ocorreu. Para tentar esclarecer mais aspectos desse mistério, uma equipa liderada pelo arqueólogo Ben Potter, da Universidade do Alasca (EUA), fez escavações no sítio arqueológico Upward Sun River, no vale do rio Tanana, no Centro do Alasca. Em 2013, descobriu-se então uma sepultura com dois bebés do sexo feminino datados com 11.500 anos, o que os colocava no final da última idade do gelo. Soube-se ainda que eram parentes próximos, talvez primos. O mais novo terá morrido 30 semanas antes do nascimento e chamaram-lhe “Menina do Crepúsculo ao Entardecer” (ou “Yelkaanenh T’eede Gaay” para a comunidade local). Contudo, não foi possível obter ADN suficiente para sequenciar o seu genoma.

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As escavações no sítio arqueológico Upward Sun River Ben Potter

O bebé mais velho seria um recém-nascido de mais de seis semanas e chamaram-lhe “Menina do Amanhecer” (ou “Xach’itee’aanenh T’eede Gaay”). Aqui entrou uma equipa coordenada pelo geneticista Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga (Dinamarca), para sequenciar o genoma deste bebé. Depois, fizeram-se comparações com genomas antigos e mais recentes e percebeu-se que o ADN desse bebé era muito próximo do dos americanos nativos actuais. Como tal, os cientistas sugerem que representa um novo povo nativo americano, os beringianos antigos.

“Não sabíamos que este povo existia”, diz Ben Potter num comunicado da sua instituição. Os cientistas destacam ainda que esta é a primeira “prova genética” directa de que os antepassados de todos os nativos americanos descendem de uma única população vinda num único movimento migratório durante o final do Pleistoceno (período compreendido entre há dois milhões e 12 mil anos).

Depois, através da análise genética e de modelação demográfica, estabeleceram-se as ligações entre grupos de pessoas ao longo do tempo. E concluiu-se assim que o grupo populacional fundador dos povos nativos americanos se separou das populações do Leste da Ásia há 36 mil anos (quando a Beríngia começou a emergir), separação essa que começou talvez no Nordeste Asiático. Mesmo assim, o contacto com os asiáticos terá continuado até há 25 mil anos, quando as trocas genéticas entre ambos terminaram. Isto terá sido provocado por mudanças bruscas no clima, que isolaram os povos nativos americanos. “O que indica, provavelmente, o ponto em que as primeiras pessoas começaram a mover-se para o Alasca”, frisa Eske Willerslev, também em comunicado.

Os beringianos antigos terão entrado em cena há 20 mil anos. Foi aí que se separaram do grupo populacional fundador dos povos nativos. “Parece que a população dos beringianos antigos estava lá, no Alasca, entre há 20 mil anos e até há 11.500 anos, mas já eram distintos do grupo nativo americano mais antigo”, diz Jos Victor Moreno-Mayar, também da Universidade de Copenhaga e outro dos autores do artigo.

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As escavações no sítio arqueológico Upward Sun River Ben Potter

Além dos beringianos antigos, o grupo populacional fundador dos povos nativos da América continuou a viagem para sul e deu origem ainda a mais dois ramos, um na América do Norte e outro no Sul e que se separaram da população inicial entre há 17 mil anos e há 14 mil anos. Simplificando, isto terá acontecido quando os seus antepassados conseguiram atravessar (ou passar à volta de) dois vastos glaciares que estavam no actual Canadá e em partes do Norte dos EUA e que começaram a derreter-se nessa altura.

Para Ben Potter, a sequenciação do genoma do bebé antigo pode ajudar a saber mais sobre os atabascanos actuais, um povo que vive no Alasca e sobre os quais há pouca informação genética. “Estes resultados são uma oportunidade para as pessoas nativas do Alasca obterem novos conhecimentos sobre as suas ligações tanto aos americanos nativos do Norte como aos beringianos antigos.”

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