Programa que rastreia SIRESP só foi usado para armazenar dados

Ministério da Administração Interna diz que programa informático tem como função "obter informação fidedigna" sobre cobertura do SIRESP.

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Daniel Rocha

Afinal, o programa Traces funcionou durante os incêndios deste ano, garante o Ministério da Administração Interna. Contudo, não foi usado para aquilo que foi desenhado. O programa informático, que serve para rastrear a cobertura da rede de emergência nacional SIRESP e de outras redes, apenas armazenou a informação e não teve utilidade prática para os agentes da Protecção Civil que estavam no terreno.

Quem o diz é o Ministério da Administração Interna (MAI). Numa resposta ao Parlamento, o gabinete de Eduardo Cabrita garante que o programa informático foi usado, mas na explicação percebe-se que afinal a sua utilidade não foi para aquilo que foi comprado. Na resposta a perguntas feitas pelo deputado do CDS, Telmo Correia, o MAI garante que "esta aplicação está a ser utilizada desde a sua instalação em Setembro de 2016. Nos incêndios de Pedrogão Grande e de 15 de Outubro de 2017, a aplicação realizou o armazenamento contínuo da informação que lhe foi enviada através do sinal dos rádios SIRESP". 

Ter servido apenas para "armazenamento" de informação sobre a cobertura das redes naquelas regiões vai ao encontro das queixas do anterior presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), Joaquim Leitão, que num despacho enviado ao MAI, noticiado pelo PÚBLICO em Novembro, pedia que lhe fosse facultado acesso a esta esta ferramenta, porque ela não estava a ser utilizada no teatro de operações, objectivo para o qual tinha sido adquirida.

Aliás, no documento que o MAI enviou à Assembleia da República, o gabinete de Eduardo Cabrita admite que o Traces serve para mais do que armazenamento de informação e que tem utilidade em tempo real. "Este apenas habilita, no teatro de operações, a obtenção de informação fidedigna acerca da cobertura da rede SIRESP e outras redes convencionais na zona", lê-se. Apesar da inclusão do "apenas" na frase, o MAI afirma que o Traces pode servir de fonte "fidedigna" de informação para quem está no teatro de operações. O que não aconteceu.

E não aconteceu porque, apesar de o programa informático ter sido adquirido pela ANPC, a secretaria-geral do MAI não entregou a esta entidade a licença de utilização. Até à data da resposta do MAI ao Parlamento, dia 16 de Dezembro, essa licença ainda não tinha sido entregue: "A licença do Traces encontra-se na Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna", lê-se.

O software Traces foi comprado pela ANPC ainda durante o anterior Governo e, embora tenha sido instalado, nunca foi utilizado por esta entidade. Em Agosto deste ano, o então presidente da ANPC pedia a entrega da licença para que esta ferramenta fosse usada pela Protecção Civil para monitoriza em tempo real a cobertura da rede SIRESP e pudesse assim apoiar, com dados técnicos, a tomada de decisões operacionais no combate aos incêndios, como a localização dos postos de comando ou o pedido e instalação de antenas móveis do SIRESP em zonas com melhor cobertura.

Joaquim Leitão, em respostas ao PÚBLICO na altura, dizia que o Traces "habilitaria o comandante das operações de socorro de qualquer teatro de operações a ter informação fidedigna acerca da cobertura da rede SIRESP e de outra redes convencionais na zona", permitindo, por exemplo, a escolha do local do posto de comando. A terminologia nesta resposta é aliás semelhante àquela que o MAI utiliza na resposta dada ao CDS.

A instalação do centro de comando dos incêndios decidida um pouco às cegas foi uma das questões criticadas no relatório dos técnicos independentes sobre o incêndio de Pedrógão Grande. Para a ANPC, a utilização deste software teria evitado a escolha de locais com rede insuficiente.

O PÚBLICO enviou algumas perguntas ao MAI sobre este assunto a partir do final de Outubro, nomeadamente o porquê de a ANPC ainda não ter a licença de utilização do programa informático que diz ser essencial para a sua acção. Renovou as perguntas depois da resposta do ministério ao Parlamento, mas não obteve respostas em tempo útil.

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