O velho é cada vez mais uma moda. Um roteiro “vintage” pelo Porto

Entre lojas online e espaços físicos, na cidade, haverá mais do que meia centena de negócios orientados para o mercado "vintage". Só nos últimos cinco anos abriram mais de uma dezena de lojas

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Nelson Garrido

Numa tarde de um dia da semana, na loja Mon Père, no número 80 da Rua da Conceição, estão cerca de meia dezena de pessoas. Parte dos clientes que lá estão são estrangeiros. À primeira vista, a julgar pelo estado de conservação, os artigos expostos parecem acabados de ser produzidos. O facto de o desenho das peças remeter para os anos 80 e 90 sugere que talvez não seja bem assim. E não é. É uma loja de venda de vestuário retro em segunda mão que abriu portas há quatro anos, altura em que no Porto surgiram uma série de novas lojas dentro do mercado vintage que tem crescido, especialmente nos últimos cinco anos, com mais oferta dentro de várias áreas e para um público, cada vez mais vasto, que procura sobretudo produtos diferenciados e exclusivos.

 

Não é que não existisse um mercado de vintage há algum tempo. Já existiam várias lojas, sobretudo de antiguidades. Mas é na última meia década que, só na área do vestuário, surgem pelo menos uma dezena de novas lojas.

 

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Loja é um pequeno paraíso para quem é aficionado por máquinas de fotografar analógicas Nelson Garrido

É nestes últimos cinco anos que também abre a Cet Objet du Désir, mais orientada para o burlesco. Em 2015 é inaugurado o primeiro espaço na Avenida Rodrigues de Freitas, após uma experiência online um ano antes. Actualmente está no Passeio de São Lázaro, onde se instalou este ano. A cinco minutos dali existem outras duas, a Mão Esquerda, na Rua da Alegria, aberta desde 2014, e a MEK, na Rua das Fontainhas, a funcionar desde o ano passado.

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Pedro Viterbo é o proprietário da Máquinas de Outros Tempos Nelson Garrido

 

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A Ornitorrinco foi fundada por Daniela Pinto e João Pimenta Nelson Garrido

Estão bem próximas umas das outras, mas “não há concorrência”, diz Cláudia Lopes, proprietária da loja situada no Passeio de São Lázaro. Serão mais parceiros que contribuem para que o mercado reforce os seus alicerces. “Frequentemente, quando não temos um artigo que alguém procura, orientamos os clientes para outras lojas similares. O mesmo acontece ao contrário”, conta.

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O mercado está a crescer, consideram os lojistas Nelson Garrido

 

Escolheu o centro do Porto por entender não fazer sentido abrir numa zona mais periférica: “É no centro de cidades como o Porto e Lisboa que existe um público mais orientado para este mercado.” Parte significativa dos clientes chegam de fora do país. Mariana Araújo, proprietária da Mon Père, constata que o interesse dos estrangeiros que visitam a cidade tem crescido. Ao longo dos quatro anos de actividade diz ter aumentado no geral o volume de clientes.

 

Foi fora do país que se inspirou para a abertura do negócio, mais especificamente em Camden, em Londres, onde morou. “Camden é o mundo do vintage”, refere. A única ligação que tinha com vestuário estabeleceu-se na altura em que estudou Figurinos e Cenografia na Academia Contemporânea do Espectáculo — ACE. Para o Porto quis trazer o que a influenciou na experiência fora do país: “Quis criar na loja uma mini-Camden.”

 

Vintage não é “roupa velha”

Já comprava roupa usada e reaproveitava a que não servia a outros familiares. Nunca teve qualquer tipo de preconceito com o vestuário em segunda mão, preconceito que diz remontar a um passado em que se associava as peças em segunda mão a “roupa velha”. As lojas mais recentes considera terem outro tipo de cuidados: “Antes de passarem à loja, todas as peças são lavadas. Perguntam-me muitas vezes se realmente são peças em segunda mão”.    

 

É um cuidado que Senra Fernandes, proprietária da Nafta Vintage e da UR Brand, as duas lojas na Rua do Bonjardim, diz também ter. Para que não se confundam conceitos, apostou recentemente na segunda loja. A primeira, actualmente com a designação Nafta Vintage, abriu há quatro anos. Há cerca de ano e meio abriu a UR. Fê-lo para separar as águas. Na mais antiga vende-se roupa em segunda mão low cost. A mais recente dedica-se ao “premium vintage”, em que se continua a vender roupa em segunda mão, mas que muitas vezes nunca foi usada. “Aproveitamos stocks antigos de fábricas”, explica.

 

Passam também a ter uma marca própria, inspirada em vestuário de outras épocas, que é produzida num atelier dentro do estabelecimento. A secção de roupa para homem, em défice no mercado vintage, está também a aumentar. Há uma explicação para que a oferta seja menor: “Os homens usam a roupa até romper. Não é fácil arranjar roupa masculina em bom estado.” Essa explicação já nos tinha sido dada noutras lojas.    

 

Como em todos os outros estabelecimentos que visitámos, os preços variam. Tanto se pode encontrar peças em bom estado com valores acessíveis não muitos diferentes das lojas mais “em conta” dos centros comerciais, como podem existir outras mais caras. “É um erro pensar que o vintage vende, porque é barato”, comenta. Acima de tudo é parte de uma cultura que ganha cada vez mais adeptos dentro de um público entre os 18 e os 25 anos.

 

Dentro desta nova vaga de lojas vintage, a Ornitorrinco, inicialmente na Rua do Almada, onde existiam outras lojas mais antigas, como é o caso da Retro Paradise ou da Rosa Chock Vintage, foi das primeiras a estabelecer-se. Fundada em 2012 por Daniela Pinto e João Pimenta, está agora na Rua da Assunção, junto aos Clérigos. Na altura, diz-nos Daniela, contavam-se pelos dedos de uma mão as que existiam. Além do Almada, havia algumas no quarteirão de Miguel Bombarda e em Cedofeita, principalmente no centro comercial.

 

Estrangeiros é que validam

“Havia uma certa desconfiança no início”, diz-nos. Actualmente já não é assim, assegura. Para a mudança de mentalidades parte do princípio que por vezes os portugueses ainda precisam que os estrangeiros validem um conceito para ser aceite. Situada em zona de passagem de turistas, estes são clientes frequentes.

 

Nos anos seguintes à abertura da Ornitorrinco, de cabeça, conta pelo menos uma dezena de novas lojas. “Foram aparecendo uma série delas e ainda bem.” Actualmente diz existir um circuito de lojas que ganhou expressão. “Facilmente pode-se perder um dia no roteiro das lojas vintage”, afirma. Os outros lojistas com quem falámos dizem o mesmo.

 

Antes desta nova vaga, uma das lojas mais emblemáticas dentro do género já funcionava havia alguns anos. A Rosa Chock Vintage abriu na Rua do Almada há 15 anos, embora seja mais antiga — anteriormente estava na Oliveira Monteiro. Fátima Leite, proprietária, recorda que quando iniciou o negócio havia quem não entendesse o conceito. Os clientes que o percebiam eram visita regular da casa. “Muitas vezes depois de saírem dos bares iam de directa fazer fila para a porta para conseguirem comprar uma peça antes que alguém chegasse primeiro”, recorda.

 

Lojas que havia antes da Rosa Chock lembra-se da Amsterdamer, de outra na galeria onde hoje está a Mon Père — precisamente no mesmo espaço onde existe a Porto Calling, dedicada ao vinil —, isto ainda nos anos 90, “e pouco mais”. O mercado cresceu, o que vê com bons olhos. Hoje em dia já não está no Porto. Este ano passou a loja para Braga, de onde é natural, para arriscar numa cidade que diz começar agora a abrir-se para este tipo de mercado.

 

A Rua Mártires da Liberdade é uma rua que há largos anos está associada ao comércio de antiguidades. Recentemente, na rua e nas imediações, novos negócios vintage foram surgindo. No número 154, na Máquinas de Outros Tempos, existe um pequeno paraíso para quem é aficionado por máquinas de fotografar e filmar analógicas. Há Polaroids, Leicas, máquinas de fole e outras relíquias. Está lá um daguerreótipo de 1850. Há máquinas para todos os gostos e carteiras. Os preços variam entre os cinco euros e os cinco mil. Abriu em 2011 e vende exclusivamente material vintage usado. Na parte de trás da loja existe também um laboratório de revelação que pode ser usado pelos clientes.

 

A quantidade de clientes que lá está torna difícil ter uma conversa com o proprietário. De resto, todas as lojas por onde passamos tinham uma boa quantidade de clientes. Há um interesse “crescente” pelo analógico, diz-nos Pedro Viterbo, proprietário. Uma espécie de “regresso” ao passado, por uma questão “estética” e também por uma questão de coleccionismo.   

 

E é no sector do coleccionismo que o Sótão da Tia Becas, ali perto, na Travessa de São Carlos, se posiciona. A loja está aberta há sete anos. António Gonçalves trabalha lá há cinco. Lá “vende-se de tudo”, dentro do que é considerado vintage, mas sobretudo peças de decoração. “Hoje as pessoas gostam de personalizar as casas com peças diferentes”, diz.

 

O mesmo acontece na Sports & World Vintage, situada no 157 da Mártires da Liberdade há quatro anos. Há desde livros, vinis, relógios até peças de mobiliário. André Costa, proprietário, diz que para se “estar nisto” é preciso gostar e ter alguma afinidade com a cultura vintage. Faz parte da nova vaga de estabelecimentos que abriram nos últimos anos. Não tem dúvidas de que o mercado está a crescer e que pelo menos por agora ainda “vai dando para todos”. Explicações para o crescimento encontra várias: “Há mais procura, mas há também quem se tenha apercebido que pode rentabilizar peças antigas que à partida já não serviriam para nada.”

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