O sol já se põe no Império Britânico

Maria João Gaspar e José Filipe de la Fuente estão a bordo do Royal Mail Ship. Este é o relato da última viagem do navio até Tristão da Cunha, ilha perdida no Atlântico Sul.

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José Filipe de la Fuente

Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha fazem parte do que o Reino Unido designa oficialmente como Territórios Ultramarinos Britânicos, até 1983 denominados Colónias da Coroa. Ou, dito de outra forma, o que resta do Império.

O Império Britânico foi o maior da História, abrangendo, na sua máxima extensão, 23% da população mundial e quase um quarto da superfície terrestre. A afirmação de que “o sol nunca se põe no Império Britânico” foi, no final da Primeira Grande Guerra, verdadeira. Hoje, a população total dos 14 territórios ultramarinos não ultrapassa as 250.000 pessoas e a sua extensão – 98% da qual constituída pela Antárctida Britânica, que não é habitada – é menos de 5% da que chegou a ser.

Depois da independência das colónias americanas, no final do século XVIII; do Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul até ao início do século XX; do vasto processo de descolonização dos territórios da Ásia, África e Caraíbas que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial; da independência da última colónia no Continente Americano (Belize, 1981), da maioria das ilhas do Pacífico (Fidji, 1970, a Vanuatu, 1980) e da última possessão Africana (Zimbabwe, 1980); e, sobretudo, depois do acto final de entrega de Hong Kong à China, em 1997, restaram estes territórios dispersos, na sua maioria minúsculos, e muito diversos em importância geoestratégica, que permanecem sob jurisdição britânica e têm a Rainha de Inglaterra como chefe de Estado. Mas não fazem parte do Reino Unido nem, com excepção de Gibraltar, da União Europeia. Não que este último facto venha a fazer grande diferença, num futuro próximo.

O poder executivo é exercido por um governador, geralmente um militar reformado ou um alto funcionário da administração pública, nomeado pela Rainha, à boa maneira colonial. A única excepção é precisamente Santa Helena em que, para além do governador – que, sinal dos tempos, é neste momento uma governadora – é necessário nomear dois administradores que o representam em Ascensão e Tristão da Cunha, devido à distância e inacessibilidade destas duas ilhas em relação à capital do território.

Das Bermudas, com os seus 65.000 habitantes, às Ilhas Pitcairn, com menos de 50, sobraram 14 pedaços do Império que, por constrangimentos da História ou vontade própria, não se tornaram independentes.

O que não quer dizer que o Reino Unido não os defenda com vigor, como se verificou em 1982, com a guerra das Falkland/Malvinas (não queremos ferir susceptibilidades) contra a Argentina. Ou que não continuem a ser objecto de disputa por parte de outros países, como Espanha, no caso de Gibraltar, ou as Maurícias e as Seychelles, no caso do Território Britânico do Oceano Índico.

Não significa também que não constituam um encargo, aliás considerado excessivo por muitos contribuintes da metrópole. O Governo britânico apoia financeiramente todos os territórios ultramarinos, mas apenas três – Santa Helena, Monserrate e as Pitcairn – recebem subsídios permanentes que asseguram o seu funcionamento regular. Outros, como as Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas ou as Turcas e Caicos foram transformados em paraísos fiscais, tornando-se menos dependentes e bastante menos transparentes.

Nestes últimos vestígios de uma época passada cabem muitas e insólitas realidades. E histórias tristes, como a expulsão de toda a população de Diego Garcia para que o Governo britânico pudesse negociar a instalação de uma base militar dos Estados Unidos naquele atol do Índico. Ou os crimes de pedofilia entre a minúscula população de descendentes dos revoltosos da Bounty, nas Pitcairn. Mas, essas, são outras histórias.

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