O jornalismo está melhor – e isso é óptimo

O jornalismo português não se tornou de repente o melhor do mundo. Mas parece-me, com todas as suas limitações, que respira mais liberdade, tem maior consciência do seu dever e o público responde em conformidade.

Eu tenho a minha quota parte de textos profundamente desiludidos com o estado da comunicação social portuguesa. A desgraça de 2005-2011 é culpa dos políticos, em primeiro lugar, mas também da comunicação social e do sistema de justiça, que se portaram miseravelmente ao longo de toda a primeira década do século XXI. Com ilustres excepções, foram demasiadas vezes moles, mornos e cobardes. Não desempenharam o seu papel. Prejudicaram o país. Estranhamente, em 2017, apesar de todas as dificuldades económicas e do estado preocupante dos grandes grupos de media, senti, pela primeira vez em muito tempo, que alguma coisa de significativo aconteceu. A maior parte dos jornais e das televisões começaram a fazer jornalismo com mais acutilância e sentido de dever. E obrigaram o poder político a dar resposta às suas notícias e às suas investigações.

Foi, por isso, com grande espanto que li, no último texto de Pacheco Pereira, homem sempre atento à comunicação social, uma crítica ao governo de António Costa e ao PS por se ter deixado desgastar em 2017 “ao aceitar haver algum mérito em questões casuísticas e anedóticas, mas mediáticas, que a oposição usa bem”. Pacheco Pereira não esclarece exactamente que “questões casuísticas e anedóticas” são essas, mas aproveita o embalo para dar o costumeiro pontapé nas canelas dos media: “A questão é que à falta de questões de fundo e com uma comunicação social muito limitada ao ‘caso’ da semana, explorado ad nauseam, seja ou não importante, o Governo desgasta-se ao actuar ao ritmo dos jornais e televisões, ou, ainda pior, das chamadas ‘redes sociais’.”

Esta frase incomoda-me porque ela facilmente se confunde com a conversa do terrível jornalismo populista (que nunca foi o principal problema do jornalismo português) e das maldosas redes sociais, que também têm, como qualquer ferramenta, para além dos abusos que todos conhecemos, inúmeras vantagens que os apocalípticos preferem não ver. Dos incêndios de Verão ao roubo de Tancos, passando por casos mais pequenos, mas muito significativos, como o da Raríssimas, aquilo que assistimos em 2017 foi aos jornalistas a fazerem o seu trabalho, impedindo em cada um desses casos, e em muitos outros, o Governo de assobiar para o ar. A proliferação do fact-checking; as explicações de temas complexos, seja a confusão na Catalunha ou o funcionamento do Montepio Geral; a não-limitação de espaço do jornalismo online, que permite aprofundar os assuntos; a amplificação dos casos nas redes sociais de uma forma positiva, ou seja, gerando uma justa indignação pública em casos que são efectivamente indignos (como ainda agora se viu com o financiamento partidário); tudo isto tem feito bem ao país e à qualidade da nossa democracia.

Tenho dificuldade em perceber o que quer Pacheco Pereira dizer com o seu lamento de um governo a “actuar ao ritmo dos jornais e televisões”, porque a maior parte das vezes esse ritmo de actuação significa apenas ter de responder publicamente às questões que são levantadas pelos media no exercício do seu escrutínio – e esse, de facto, é o dever tanto dos media como do poder político. O jornalismo português não se tornou de repente o melhor do mundo. Mas parece-me, com todas as suas limitações, que respira mais liberdade, tem maior consciência do seu dever e o público responde em conformidade: sempre que há bom jornalismo, há leitores e espectadores para ele. Que assim continue são os meus sinceros votos para 2018.

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