Caneleiras que assentam como uma luva

Empresa portuguesa digitaliza as pernas dos melhores jogadores do mundo para fazer protecções à medida. O produto final já captou o interesse dos colossos europeus.

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Nelson Garrido
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Filipe Simões e Rui Pina começaram por reparar na ironia: o único equipamento que protege os jogadores de futebol era um “produto manifestamente mau”, com uma série de limitações e que provocava desconforto. Mesmo as caneleiras usadas pelos melhores profissionais dos relvados. Foi a partir dessa “grande surpresa” que nasceu a SAK Project (iniciais de safety against kicking), relata Filipe Simões, hoje CEO da empresa com sede nos arredores de Viseu.

Dos ensaios com materiais como carbono e kevlar partiram para a sua adaptação às pernas dos atletas. Começaram de uma forma “muito artesanal”, obtendo moldes com recurso a gesso. Um processo que sofreu uma evolução radical. O molde “não era confortável, mas também era um bocadinho arriscado cortar gesso com uma serra eléctrica a milímetros de pernas que valem milhões”, diz.

Assim, os modelos das pernas passaram a ser captados por um digitalizador 3D. Basta o jogador colocar-se numa plataforma que gira 360 graus em 25 segundos, tempo suficiente para que o leitor capte uma imagem virtual a três dimensões. Essa informação pode ser enviada imediatamente para a linha de produção.

O material com que são fabricadas as caneleiras que saem de Viseu também deu um salto tecnológico, fazendo uso de equipamento militar com aplicações aeronáuticas. A SAK usa agora uma combinação de materiais poliméricos que ajudam a dissipar a energia e, assegura o CEO, “é virtualmente impossível de destruir em campo”. “Este material, numa versão mais espessa, torna-se à prova de bala”.

A dissipação de energia joga também com o facto de as caneleiras serem moldadas ao jogador. Havendo um impacto, “em vez de distribuir a energia, acaba por concentrá-la nos pontos em que está em contacto”. A espuma de protecção entre a camada rígida e a perna tem também propriedades de controlo térmico e que combatem as colónias de bactérias. Um outro pormenor que tem tido particular acolhimento junto dos jogadores: os artigos são personalizáveis.

Passa a palavra

Tudo começou com dois amigos e com um segundo trabalho no qual investiam “tempo e dinheiro”. Filipe Simões, professor no Instituto Politécnico de Viseu, e Rui Pina, o outro fundador que já não está na empresa. A ideia nasceu em 2008 e, em 2010, tinham já “um produto mais competente” para apresentar.

As marcas têm por hábito partir de clientes discretos e ir subindo na escada da notoriedade. A SAK fez o percurso inverso. “A dada altura, achávamos que tínhamos um produto muito bom e decidimos contactar jogadores da selecção nacional”, conta Filipe Simões. “Queríamos perceber se o processo era viável ou apenas uma ilusão de dois amigos de Viseu”.

A partir da selecção, a palavra espalhou-se. Os jogadores voltaram para os clubes e começou a haver mais procura pelas caneleiras. O responsável recorda que o “feedback foi extraordinário”, tanto dos jogadores como dos médicos dos clubes, que ajudaram a aperfeiçoá-las. Ao ponto de o equipamento de protecção chegar hoje aos colossos europeus, já depois de, em 2012, a empresa ter recebido um empurrão de investidores, que entraram como accionistas no negócio.

Numa das salas de trabalho da SAK Project, em Viseu, há uma estante com alguns dos clientes mais célebres. O móvel tem representados vários dos nomes mais sonantes dos campeonatos português, alemão, espanhol ou italiano, mas Filipe Simões pede-nos para não os referir nem fotografar. O motivo? Protecção dos atletas, uma vez que muitos deles têm contratos de exclusividade com as grandes marcas, mas preferem usar o seu equipamento, mesmo tendo que pagar por ele. Foi também esse o motivo para, no caso particular de um dos mais mediáticos jogadores portugueses, a SAK ter acedido a retirar o logótipo das caneleiras.

Mas muitas vezes são os próprios jogadores que funcionam como agentes da empresa, quando se movimentam de clube para clube e passam a palavra ou são fotografados com o equipamento. As camisolas expostas na parede do escritório também ajudam a elucidar o nível competitivo dos clientes: dos chamados “três grandes” portugueses a equipas como Barcelona, Chelsea ou Manchester United. Em conversa, Filipe Simões acrescenta à lista Manchester City, Paris Saint-Germain, Real Madrid e Juventus.

A linha de produção também não pode ser visitada. Há uma parte do produto que decidiram ainda não patentear, algo que implicaria ter de publicar o processo de produção.

Se a SAK começou pela ponta da pirâmide, quer também chegar à base, numa altura em que começa a produzir em massa. Em 2016 entrou no comércio a retalho numa das principais cadeias de lojas de produtos desportivos, mas não quer ainda revelar a facturação. Espera, no entanto, chegar a um mihão de euros em vendas anuais a “muito curto prazo”, sendo que 65% do material produzido tem como destino a exportação para 16 países, a maioria dos quais europeus. Num ano em que a equipa da SAK passou de oito para 18 trabalhadores, a empresa tem no radar mercados gigantes como o Brasil e China.

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