A tecnologia está à vista mesmo que não nos apercebamos

Relvados resistentes ao rigor do Inverno, camisolas que mantêm a temperatura estável, bolas com chips incorporados. Nada disto é ficção, mas o resultado do desenvolvimento tecnológico no futebol.

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Os relvados, que são semeados várias vezes ao ano para repor a densidade, são hoje recuperados muito mais rapidamente NUNO FERREIRA SANTOS
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STEFANIE LOOS/REUTERS

Para falar de tecnologia no futebol não é preciso pensar em equipas de robôs a defrontarem-se nem procurar drones, tablets ou outros equipamentos. Há recursos que estão mesmo à frente dos olhos de quem assiste à partida na bancada, mas dos quais poderá não se aperceber. Algo tão simples quanto um relvado bem tratado num Inverno mais rigoroso, ou uma camisola que permite a quem a veste manter-se fresco e seco mesmo nos dias mais quentes. São detalhes, mas mostram quanto a investigação e a inovação têm ajudado a modalidade a evoluir.

A tecnologia está em todo o lado no futebol. Não apenas nas soluções para a linha de baliza ou para o videoárbitro, mas no relvado que os jogadores pisam, na bola com que jogam e nas chuteiras que usam para a pontapear. A tecnologia chega também aos recursos disponíveis para o treino — há uns anos o Borussia Dortmund foi pioneiro na utilização de um aparelho chamado Footbonaut, dentro do qual os jogadores trabalham a percepção espacial e a visão periférica, enquanto treinam a rapidez e precisão de passe — e até às ferramentas à disposição dos clubes para o recrutamento, de que são exemplo os testes neuropsicológicos às possíveis contratações.

Mas, mais do que as inovações anunciadas periodicamente pelos departamentos de marketing das marcas, há aspectos concretos em que a tecnologia ajudou a levar o futebol a um outro nível. Um deles é a qualidade dos relvados, que tem vindo a melhorar globalmente. Em Portugal, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional lançou em Outubro o Guia de Relvados Naturais, com contributos da FIFA, UEFA e RED — Relvados e Equipamentos Desportivos, uma empresa especializada no sector. “Os clubes estão mais sensibilizados e há maior preocupação com a qualidade dos relvados”, sublinhou Miguel Teixeira Bastos, director-geral da empresa, em conversa com o PÚBLICO. “A manutenção dos relvados é cada vez mais cuidada e feita por profissionais. As técnicas têm melhorado, há mais tecnologia e ferramentas ao dispor”, acrescentou o mesmo responsável.

A tecnologia chega aos relvados de diversas formas. “A parte da iluminação é muito importante. O que se vê no Inverno é os relvados a deteriorarem-se mais rapidamente. Há zonas críticas dos campos, zonas de sombra, e no Inverno nota-se bem a diferença entre o lado que recebe luz e o que não recebe. Com luz artificial e iluminação para substituir o sol pode-se minimizar o problema”, explicou Miguel Teixeira Bastos. O Dragão e Alvalade são recintos onde é utilizada luz artificial, e no caso do estádio dos “leões” emprega-se também ventilação forçada, acrescentou o director-geral da RED: “É mais importante no Verão, para diminuir a temperatura nos relvados. Em Alvalade chega a haver temperaturas no solo na ordem dos 50 graus.”

Relva de Inverno

A RED é responsável pela manutenção dos relvados nos estádios e centros de treino de cinco clubes da I Liga (FC Porto, Sporting, Benfica, Sp. Braga e Portimonense). “Nesta altura do ano tenta-se melhorar o tempo de resposta logo a seguir aos jogos, mesmo de noite, para minimizar o tempo de recuperação. Estamos a entrar numa fase crítica, em que recorremos mais a operações mecânicas e de reposição da densidade. O campo é semeado várias vezes por ano, mas tem de se incorporar semente para repor a densidade, com espécies de relva diferentes, mais próprias para o Inverno”, indicou Teixeira Bastos.

Uma possibilidade aberta pela tecnologia é o comando individual de cada aspersor de rega: “Permite-nos colocar a quantidade exacta de água que queremos em cada local do campo. São 15 no terreno do jogo, cada um accionado individualmente”, disse o director-geral da RED. Para Miguel Teixeira Bastos, a próxima grande inovação será a utilização de LEDs nas luzes artificiais de substituição do sol. “Cada unidade tem 60 lâmpadas incandescentes de 1000 watts cada. A substituição por LEDs permitirá uma grande poupança”, vincou.

O calçado com que os futebolistas pisam os relvados também evoluiu muito. A Adidas (que na I Liga equipa Benfica e Rio Ave) relançou há pouco tempo aquela que descreve como “a bota mais icónica de sempre”. O interior da Predator 18+ foi “desenhado para se adaptar naturalmente à forma do pé e garantir ajuste e suporte”, podia ler-se num comunicado enviado pela marca alemã. A parte externa “foi actualizada com camadas de poliamida de alto desempenho, projectadas para estabilizar os movimentos. E a nova configuração híbrida dos pitões amplifica a rotação e a tracção”, acrescenta a Adidas.

Nas camisolas a marca recorre a uma tecnologia designada por Climacool: “Com tecidos técnicos respiráveis e ergonomicamente localizados, potencia-se a ventilação nas áreas mais críticas do corpo, mantendo uma temperatura estável”, explicou o gabinete de relações públicas da Adidas. A empresa alemã também fabrica a bola oficial do Campeonato do Mundo desde 1970 e, no Mundial 2018, na Rússia, vai apresentar um esférico com elementos inéditos. Feita de materiais e embalagens recicladas, a Telstar 18 incorpora um chip NFC (near field communication) que permite interagir com a bola através do telemóvel.

A Nike, que além de fabricar a bola oficial do campeonato também equipa vários emblemas da I Liga, não mostrou disponibilidade em tempo útil para contribuir para este texto. Da mesma maneira, a Lacatoni, empresa portuguesa que veste algumas equipas do principal escalão, não deu resposta à solicitação do PÚBLICO.

Diagnosticar e tratar

O futuro do futebol passará igualmente pela disponibilidade de mais e melhores meios de diagnóstico e tratamento de lesões. O recurso a salas de treino em altitude, que proporcionam condições de hipoxia (baixo teor de oxigénio), permite uma recuperação mais rápida e uma melhoria da capacidade cardiopulmonar. Da mesma forma, vão-se tornando mais comuns os banhos de gelo e também de crioterapia, com exposição a temperaturas extremas (na ordem dos -170º), que aceleraram a recuperação do esforço.

Numa lista de “seis ideias revolucionárias que mudarão o desporto” publicada no início de 2017, o diário espanhol El País enumerava algumas soluções que virão ou já estão a ser empregues no futebol. Uma delas é o recurso à termografia (método que faz a medição do calor emitido pelos tecidos e permite o estudo de lesões inflamatórias) para prevenir, detectar precocemente e tratar eventuais contusões. O jornal citava uma experiência feita na pré-temporada do Saragoça que permitiu reduzir em cerca de 90% os dias de ausência de jogadores devido a lesão.

As inovações tecnológicas no futebol também servirão para facilitar e tornar mais transparentes as transferências de futebolistas. A compilação de informações e estatísticas sobre os jogadores em bases de dados à disposição dos clubes permitirá fazer poupanças e ao mesmo tempo alargar a base de recrutamento.

Quanto aos adeptos, podem esperar num futuro próximo ter a possibilidade de fazer uma escolha mais informada na hora de, por exemplo, comprarem o lugar cativo no estádio do clube pelo qual sofrem. Os sócios do Atlético de Madrid já tiveram essa experiência antes da inauguração do novo recinto do clube, graças a uma minuciosa recriação em 3D do Wanda Metropolitano, contava o El País. A maquete virtual permitia aos adeptos saber onde ficaria localizado o seu assento e como seria a visão do relvado a partir do lugar escolhido.

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