Um ano de desporto: heróis, vilões e coisas novas

Já não é novidade nenhuma ver Cristiano Ronaldo a ganhar vários prémios de melhor do ano, mas foi uma novidade ver Usain Bolt a perder duas finais na velocidade. Dois entre muitos protagonistas desportivos de 2017, ano que teve tetracampeão no futebol português, doping a excluir um país inteiro dos Jogos Olímpicos e o videoárbitro para (não) acabar com as polémicas.

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Inês Henriques nos Mundiais de atletismo LUSA/FACUNDO ARRIZABALAGA

Andrea Pirlo

Foi um ano amargo para o futebol italiano, não apenas pelo “apocalipse” da ausência do Mundial 2018, mas pelo final de carreira de dois dos seus grandes jogadores, ambos campeões mundiais em 2006. Primeiro, em Maio, foi Francesco Totti a anunciar o fim de uma vida futebolística na Roma, depois, mais para o fim do ano, foi Andrea Pirlo, um dos grandes médios da história do futebol, o “regista” que via o que mais ninguém via, fosse uma trajectória impossível para um remate ou um passe. A sua última camisola, a do New York City FC, foi apenas uma nota de rodapé numa longa carreira de conquistas com o AC Milan, a Juventus e a “squadra azzurra”. Um pensador em campo durante duas décadas.

Chris Froome

Foi a mais apertada de sempre e com uma inédita perda da amarela por alguns dias, mas Chris Froome pedalou em 2017 para o seu quarto triunfo na Volta a França em bicicleta, ficando a uma vitória de integrar o grupo de pentacampeões do Tour (Anquetil, Merckx, Hinault e Induraín), complementando o Tour com um triunfo na Volta a Espanha. Mas o ano não está terminar da melhor maneira para o ciclista britânico nascido no Quénia, depois de ter sido revelado um resultado positivo de uma análise antidoping realizada durante a Vuelta a salbutamol, um medicamento usado para tratar asma – Froome acusou o dobro do permitido pelo regulamento e, por isso, arrisca-se a 12 meses de suspensão e que lhe seja retirado o triunfo na Vuelta.

Colin Kapernick

Quando Colin Kaepernick, “quarterback” dos San Francisco 49’ers, se ajoelhou em 2016, durante o hino norte-americano num jogo da NFL, para chamar a atenção para a violência policial e o racismo naquele país, quebrou um tabu poucas vezes quebrado no desporto dos EUA, envolvendo-se abertamente no protesto com motivações sociais e políticas, e abriu uma porta em 2017 para que muita gente do desporto criticasse Donald Trump. Os campeões da NBA Golden State Warriors, por exemplo, recusaram-se a ir à Casa Branca para serem recebidos pelo Presidente (Trump, claro, diz que foi ele que retirou o convite) e LeBron James, no meio desta polémica chamou “vadio” (“bum”) a Trump. Pelo que fez, Kaepernick entrou na “lista negra” e não tem emprego na NFL, mas não voltou atrás no protesto.

Cristiano Ronaldo

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Cristiano Ronaldo já tem tantas Bolas de Ouro como Lionel Messi EPA/FAUGERE FRANCK

Foi o “Best” da FIFA, foi o “Ballon d’or” da “France Football”, ganhou a Liga espanhola, a Liga dos Campeões, marcou mais umas quantas dezenas de golos, contribuiu para o apuramento da selecção portuguesa para o Mundial 2018 e aumentou a sua família com mais três crianças. Já não há muito para dizer sobre Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro e da sua busca permanente pelos títulos (individuais e colectivos) e de como vai mantendo um nível altíssimo com o passar dos anos. A segunda metade do ano, apesar de ter coleccionado vários prémios e de mais um título mundial de clubes, não está a correr muito bem e talvez o Mundial da Rússia com um grande desempenho português seja a sua melhor hipótese de continuar a ganhar prémios em 2018.

Doping na Rússia

Pela primeira vez, um país inteiro foi banido dos Jogos Olímpicos. Em rigor, é a bandeira russa e o hino do país de Putin que foram banidos dos Jogos de Inverno de Pyeongchang do próximo ano (os atletas que provarem estar limpos podem ir à Coreia do Sul), uma decisão inédita do COI após uma investigação que provou a existência de um sistema de ocultação de resultados positivos de atletas russos no laboratório de Sochi durante os Jogos de Inverno de 2014 e com o apoio do próprio Estado russo. Já não é de agora que o doping é um problema endémico no desporto russo, mas as sanções estão agora a apertar e podem não ficar por aqui.

Fernando Pimenta

As medalhas e os títulos já são uma boa rotina para Fernando Pimenta, que, em 2017, conquistou medalhas e títulos em Europeus e Mundiais de canoagem. Primeiro foi a prata (K1 1000) e ouro (K1 5000) nos Europeus de Plovdiv, depois repetiu a dose nos Mundiais de Racice. Depois da frustração olímpica no Rio de Janeiro, o homem de Ponte de Lima mais do que se redimiu em 2017 e continuou a ser um dos maiores exemplos do que é ser um atleta de elite em Portugal e numa modalidade que é das melhores do país.

Frederico Morais “Kikas”

Foi o primeiro surfista português a chegar à final de uma prova do World Tour, deixando pelo caminho nomes como o brasileiro Gabriel Medina ou o norte-americano John John Florence (que foi o campeão mundial em 2017), e é o português a subir mais alto no ranking mundial do surf, ultrapassando as altas fasquias deixadas por outro nome grande do surf português Tiago “Saca” Pires. Já ninguém tem dúvidas que “Kikas” é um surfista de elite e, aos 25 anos, tem toda uma vida desportiva pela frente para ser ainda melhor. E é preciso não esquecer que o surf vai ser modalidade olímpica em 2020.

Inês Henriques

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Reuters

“O que eu fiz é muito duro, mas o que a minha mãe faz todos os dias é muito mais”, foi o que disse Inês Henriques, em entrevista ao PÚBLICO, poucas horas de ter sido uma pioneira com uma medalha de ouro na prova dos 50km marcha femininos nos Mundiais de atletismo, em Londres. Foi a primeira vez que a prova mais longa do atletismo foi aberta às mulheres e foi a portuguesa a destacar-se num reduzido pelotão de sete mulheres e com um novo máximo mundial (4h05m56s). Aos 37 anos, a marchadora de Rio Maior aproveitou da melhor maneira a oportunidade que ela e o seu perspicaz treinador Jorge Miguel ajudaram a criar, tornando-se, de caminho, num símbolo da luta pela igualdade de género.

Joana Schenker

Depois de dominar em Portugal e na Europa, Joana Schenker tornou-se na primeira portuguesa a ser campeão mundial de bodyboard. Foi a consagração para a portuguesa de 30 anos filha de pais alemães, depois de cinco títulos nacionais e quatro continentais em 15 anos a competir, quase sempre a lutar, não apenas com as adversárias, mas com a falta de apoios, e nem sequer precisou de ganhar a prova em que garantiu o título, na Nazaré. “Já era um sonho distante”, disse Joana na altura, “mas que se tornou uma realidade”.

Leonardo Jardim

Depois de ter sido encarado com alguma desconfiança nos seus primeiros tempos de Mónaco, Leonardo Jardim calou todas as críticas com um título de campeão em França (quebrou o domínio do PSG) e uma carreira longa graças a um futebol espectacular e ganhador, provando que é um treinador com paciência para maturar uma equipa ao longo dos anos. Infelizmente para ele e para o Mónaco, esse futebol espectacular levou à venda de meia equipa por preços exorbitantes (Mbappé, Bernardo Silva, Mendy, Bakayoko, entre outros) e Jardim teve de começar do zero outra vez.

Lewis Hamilton

Foi o ano em que Lewis Hamilton recuperou o trono de melhor piloto da Fórmula 1, conquistando o seu quarto título de campeão e deixando bastante longe o rival Sebastian Vettel, numa época quase totalmente dominada pela Mercedes (14 vitórias em 20 GP). Aos 32 anos, o piloto britânico já só tem à sua frente Fangio (cinco títulos) e Schumacher (sete), estando mais que confirmada a promessa do já longínquo ano de estreia no “grande circo” em 2007 em que falhara o título por apenas um ponto.

Mayweather-McGregor

Como tantos combates antes deste, Floyd Mayweather contra Conor McGregor foi vendido ao mundo como o combate do século, oportunidade única para ver em confronto, um dos grandes pugilistas da história contra o grande campeão irlandês de Mixed Martial Arts. Como este era um combate de boxe, Mayweather ganhou com naturalidade e McGregor aguentou-se bem, mas o duelo não correspondeu ao tremendo circo mediático que se gerou. Quem ficou a ganhar foram os dois lutadores: Mayweather terá ganho mais de 300 milhões de dólares, McGregor terá ultrapassado os 100 milhões. E já se fala de um “rematch”.

Miguel Oliveira

Já não é de agora que Portugal tem um piloto de topo no motociclismo, mas 2017 foi um enorme ano para Miguel Oliveira, sobretudo no final, ganhando as três últimas corridas da época e fechando a temporada no terceiro lugar em Moto2. O grande mérito do piloto de Almada é saber esperar pela oportunidade certa e não querer subir demasiado depressa nas categorias. Mantendo-se na categoria intermédia e na KTM, Oliveira será um grande candidato ao título e, só depois, irá pensar em subir à MotoGP.

Nelson Évora

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EPA

Num ano em que mudou de clube e de treinador, Nelson Évora voltou a provar que é um atleta dos grandes momentos, conquistando a medalha de bronze nos Mundiais de Londres, a sua quarta no evento, e numa final em que era o mais velho em competição, depois de, alguns meses antes, ter sido campeão europeu em pista coberta. O salto que lhe valeu o bronze (17,19m) ficou bem longe do seu melhor (17,74m) e longe dos dois norte-americanos que ficaram à sua frente, mas foi um testemunho de resistência de alguém para quem o final de carreira esteve perto de acontecer. E a promessa de futuro de Nelson Évora é a mesma de sempre: o melhor ainda está para vir.

Neymar

Farto de estar na sombra de Messi (e de ganhar menos que ele, provavelmente), Neymar deixou Barcelona e foi para Paris criar a sua própria dinastia no PSG (que por ele pagou 222 milhões de euros, a maior transferência de sempre no futebol). Com Mbappé e Cavani ao lado, Neymar é o centro de gravidade de uma equipa que quase de certeza irá recuperar o domínio do futebol francês e ter uma carreira longa na Liga dos Campeões. E Neymar estará mais motivado que nunca a fazer o mesmo com a selecção brasileira no Mundial.

Pep Guardiola

Ainda não ganhou qualquer título pelo Manchester City, mas a segunda metade de 2017 está a deixar a promessa de muitas conquistas em 2018, não apenas na Premier League, mas também na Liga dos Campeões. Ok, Guardiola tem muito dinheiro para gastar, mas outros também têm (na Premier League e não só) e não atingem o nível de espectacularidade (e de resultados) desde City, mais uma criação do treinador catalão a fazer lembrar o Barcelona dos melhores tempos. Não tem Messi, mas tem David Silva, Kevin de Bruyne, Raheem Sterling, Kun Aguero, Leroy Sané e dá-se ao luxo de ter Bernardo Silva como opção de recurso.

Rafa e Roger

Pela primeira vez na sua história, o jornal “L’Equipe” distinguiu dois homens como os desportistas do ano e, pensando nisso, não podia ser de outra maneira. Rafael Nadal e Roger Federer tiveram um ano extraordinário, cada um com duas conquistas no Grand Slam – Austrália e Wimbledon para o suíço, Roland Garros e US Open para o espanhol – e terminaram 2017 nos dois primeiros lugares do ranking ATP. Foi mesmo um ano de renascimento para os dois “velhos” rivais do ténis, uma rivalidade que dura há 13 anos e que segue dentro de momentos.

Selecção feminina de futebol

Se 2016 foi histórico para o futebol português devido àquele golo de Éder no Stade de France, 2017 marcou uma presença inédita da selecção feminina num Europeu de futebol, que se realizou na Holanda. Portugal entrou no torneio como a selecção menos cotada, mas, mesmo não tendo passado da fase de grupos, ganhou um jogo à Escócia, e deu luta à Espanha e à Inglaterra, ficando até bastante perto do apuramento para a fase seguinte. O futebol feminino tem crescido de forma sustentada em Portugal e o próximo passo é chegar a um Mundial.

Tetra do Benfica

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Miguel Lopes/Lusa

O Benfica prolongou o seu domínio do futebol português pelo quarto ano consecutivo, tetracampeão pela primeira vez na sua história. Crédito para Luís Filipe Vieira, que confiou na estrutura, e para Rui Vitória, fiel à sua estratégia de manter veteranos como Luisão e Jonas para ajudar ao crescimento de jovens como Nelson Semedo, Gonçalo Guedes, Ederson e Lindelof, que renderam muitos milhões aos cofres “encarnados”. Isso foi na primeira metade do ano, porque a segunda não está a correr nada bem, com um planeamento deficiente da época que conduziu a uma participação desastrosa na Champions (zero pontos) e eliminação das taças. Resta o campeonato e muito do que vai ser o Benfica em 2018 vai decidir-se no primeiro jogo do ano, na Luz, frente ao Sporting.

Usain Bolt

Haverá sempre alguém que vai ganhar as provas de 100m e 200m em Mundiais de atletismo e Jogos Olímpicos, e, daqui a uns tempos, talvez apareça alguém a bater os recordes destas duas provas, mas esse alguém já não será Usain Bolt. O jamaicano retirou-se do atletismo nos Mundiais de Londres, depois de uma década a dominar a velocidade, mas não terminou a carreira como queria. Perdeu a final dos 100m para Justin Gatlin (que não se livra da fama de batoteiro) e caiu na prova da estafeta de 4x100m, cumprindo os últimos metros a coxear, mas pelo próprio pé. Para a história fica um atleta vitorioso e amado como poucos. Vai ter sucessores, mas nenhum será como ele.

Videoárbitro

Portugal foi um dos países pioneiros a introduzir a tecnologia do videoárbitro, um auxiliar precioso para garantir a verdade desportiva e diminuir as intermináveis discussões sobre arbitragem. A época tem provado que não é um sistema infalível, com algumas falhas técnicas e humanas a provocarem alguns erros graves de julgamento e a manterem acesas as tais discussões e críticas – os próprios árbitros já ameaçaram com greve. Mas tem revertido algumas decisões erradas e, só por isso, valeu a pena. Outros países irão seguir o exemplo de Portugal na próxima época e o Mundial já terá o sistema a funcionar em pleno.

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