Homenagem a um quilómetro da N18

O que de mais belo se encontra entre Estremoz e Évora.

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 Estremoz-Évora: neste troço a N18 segue paralela à A6, galgando uma cauda da Serra D’Ossa, que aqui se impõe como relevo principal. No entanto, à excepção de um cortejo de curvas nas vizinhanças da ribeira que é sazonal, é uma estrada rápida, contrariando o estereótipo da região onde os sentidos abrandam.

E terminada a visita aos dois polos citadinos que a limitam, que resta para ver?

A bonita vila de Evoramonte, no alto paisagístico do próprio significado onomástico, tal e qual um postal, muralhada pela cintura e com o branco casario aos pés. Depois sobreiros e azinheiras, e um autoctonismo que vai para além da botânica: uma albufeira sem dimensão cartográfica, uma igreja que vela um cemitério, gado que rumina, um parque de campismo bucólico, as cortadas para Azaruja e Igrejinha – duas aldeias quietas, hospitaleiras – cancelas levantadas de apeadeiros sem janela, forrados a cartazes de touradas, casas no cimo de colinas e outras escancaradas ao vento, portões que fecham muros sem continuidade, postes eléctricos entortados pelo vento, em ondas de fios pretos onde um milhafre se empoleira na simplicidade da observação, um céu muito extenso e capaz, equilibrado sobre o campo aberto, e sol, derramando-se com fartura neste desaguar de rocha erodida.

Mas, para mim, a coisa mais bela, aquela que traduz a essência de tudo isto e aparece no meio disto tudo, vem neste parágrafo central: surge a seguir ao único viaduto que se cruza, ao lado da auto-estrada, numa zona onde a língua de alcatrão acompanha o vale – é um monte alentejano, de cantaria azul e portão vermelho, que tem um cão enrolado à entrada e feno empilhado em fardos quando é Verão. Nunca distingui quem lá vive, não sei se a cortiça que descansa do outro lado da estrada é do proprietário e se o cajado do rebanho fica a dormir no curral por detrás. Sei que é uma ilha de antigamente, perdida entre rodovias, e que um dia destes tenho de parar o carro e falar com o pastor. Porque se pusermos à frente dos olhos os polegares e os indicadores em rectângulo, sobretudo à hora em que o céu fica laranja, ficamos com o Alentejo emoldurado.

E uma estrada, como uma linha, é um conjunto de pontos, e há placas que assinalam os que aparecem no mapa, mas se uma viagem demora a vontade do condutor, porque não desenhar no mapa o que não tem nome, os poços e as árvores e as pedras que já foram edifício? É que há elementos que nunca vão constar de uma fotografia turística mas onde invariavelmente se pousa o olhar: o tamanho que ocupam é o do espaço à volta, e completam-nos com uma vontade qualquer, parecida com um sorriso sem explicação.

Quem percorrer esta estrada e passar ao largo desta casa talvez não se impressione, mas pode ser que encontre beleza – ou essa espécie de satisfação – no sobreiro que está do lado oposto, no topo de um ermo arrasado, na linha de uma ribeira minúscula, ou então no modo como uma coroa de luzes aquece o horizonte escurecido, na estrada deserta e de noite, com as estrelas por cima.

André Paiva

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