André Sousa: “O título de Grande Mestre não é uma obsessão”

O mais jovem campeão nacional absoluto de xadrez defende a utilização da modalidade na escola como uma “importante ferramenta de aprendizagem”.

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Adriano Miranda

Em Setembro passado, caiu por terra um recorde com 38 anos, quando o jovem André Sousa se tornou o novo campeão nacional absoluto de xadrez, aos 17 anos e quatro meses — batendo, por alguns meses, o anterior máximo, detido pelo agora veterano Grande Mestre António Fernandes. Já em 2016 esta possibilidade tinha estado em aberto, mas na altura, na partida decisiva da última ronda, as coisas não correram de feição ao actual detentor do título. Este ano, na última possibilidade para quebrar este recorde, André voltou a tremer, mas não o suficiente para o impedir de inscrever pela primeira vez o nome na lista dos vencedores do mais prestigiante troféu português. Apesar da sua juventude, este feito é apenas o mais recente de uma longa lista que começou a escrever-se quando, com quatro anos de idade, aprendeu as regras do xadrez e desde logo se evidenciou pela facilidade com que assimilava as subtilezas do jogo.

Nascido no Porto, onde ainda reside, jogaria, em representação do Grupo de xadrez do Porto (GXP), o seu primeiro torneio federado aos sete anos de idade, o campeonato nacional de sub-oito, no qual alcançaria o primeiro de uma extensa série de títulos nacionais. A partir de então, foi conquistando sucessivamente o primeiro lugar dos diversos escalões, até aos sub-16, para, ainda com 15 anos, deixar de participar nas provas dos escalões mais jovens. Mesmo assim, neste ano competiu no Europeu de sub-18 por se ter autoproposto, com o aval da Federação Portuguesa de xadrez, terminando o evento na 20.ª posição entre os 80 participantes.

O título arrebatado em Setembro não foi, porém, o primeiro título absoluto de André Sousa. Com apenas 14 anos já havia conquistado o campeonato na variante de partidas-relâmpago, em que se dispõe de apenas três minutos de reflexão — com dois segundos de acréscimo por cada lance efectuado — para a totalidade da partida. Uma proeza que dificilmente será batida num futuro próximo. Também com essa idade, tornou-se no mais jovem Mestre FIDE (Federação Internacional), o escalão mais baixo dos títulos vitalícios atribuído pelo organismo, e neste ano juntou ao currículo o estatuto de mais jovem Mestre Internacional português de sempre, quando em Fevereiro alcançou, no Portugal Open, a terceira e definitiva norma para que o título lhe fosse atribuído.

O apelo da robótica

Com uma ascensão meteórica na modalidade, André Sousa pode agora olhar com ambição para o título de Grande Mestre, um objectivo que encara com naturalidade, mas sem pressão. “Espero conseguir alcançá-lo, mas não é uma obsessão. Acho que o desenvolvimento no xadrez não é um processo contínuo, ocorrendo de forma pontuada, resultante da súbita expressão do conhecimento acumulado num certo período. O trabalho que agora estou a desenvolver irá dar frutos e não estou ansioso pelo momento exacto em que irá ocorrer”, confessa ao PÚBLICO.

A objectividade que emprega na análise do jogo é extensível à vida académica, na qual tem trilhado um percurso igualmente invulgar. Prova disso é o facto de ter ingressado já neste ano no curso de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, um ano antes da média habitual de entrada no meio universitário. Tudo porque concluiu o primeiro ciclo em apenas três anos. E o que projecta André para o futuro profissional? “Espero trabalhar na área que mais me atrai, a robótica e desenvolvimento de sistemas de automação”.

Pelo meio, o portuense pretende manter a ligação ao xadrez, apesar das dificuldades que se antecipam: “O profissionalismo não me parece viável em Portugal, mas pretendo manter-me activo na modalidade, pelo menos durante a vida académica. A federação portuguesa tem disponibilizado, nos últimos tempos, o melhor apoio possível, o que não é muito, mas atendendo às limitações financeiras não é possível fazer muito mais”, contextualiza André Sousa, deixando uma visão optimista sobre o panorama nacional, mas também um alerta. “Para além de mim existem vários jovens com bastante potencial: Bruno Martins e José Veiga, os irmãos Daniel e André Fidalgo, e ainda Ricardo Dias, são alguns desses jogadores, mas sem um plano de apoio específico dificilmente poderão expressar todo esse potencial”.

Aposta no meio escolar

Defendendo um reforço da aposta do xadrez nas escolas — “A introdução do xadrez na vida escolar de uma forma mais abrangente seria a maneira de promover e divulgar a modalidade, e ao mesmo tempo utilizar este jogo como uma importante ferramenta na aprendizagem dos alunos” —, André Sousa destaca também alguns nomes que contribuíram para a sua evolução.

Primeiro o Mestre Nacional António Silva, no GXP, o seu primeiro treinador ainda que de forma informal; depois o número um nacional, o Mestre Internacional Jorge Ferreira, com quem trabalhou de forma sistemática entre 2013 e 2016.

Desde então, a sua preparação tem sido mais errática, apesar de, por dia, disponibilizar cerca de três horas para a prática da modalidade. Mas a maior parte deste tempo é despendido em partidas online nas quais, reconhece, não é aproveitado da melhor maneira. Durante este ano, por exemplo, adquiriu um pacote de treino de dez horas, via Internet, com o Grande Mestre do Azerbaijão Gadir Guseinov, que acabou por não ter grande utilidade.

Devido a estes condicionalismos, transferiu-se esta época do Grupo Desportivo Dias Ferreira para a Academia de Xadrez de Gaia, onde passou a trabalhar com o Grande Mestre eslovaco Lubomir Ftachnik. Se obtiver o título de Grande Mestre nos próximos anos, baterá mais um recorde, mas terá ainda uma longa caminhada pela frente para poder ultrapassar os 15 títulos absolutos que António Fernandes amealhou ao longo da carreira.

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