Das colmeias ao saco onde se fazem os iogurtes

Miguel Leal e Ana Jarvis são dois amigos que decidiram fazer e comercializar uma iogurteira sustentável, a YogurtNest.

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Ricardo Lopes

Tudo começou com colmeias e em Paredes, num ano de crise, 2008. É assim que o biólogo Miguel Leal começa a sua conversa com a Fugas. A história desemboca, alguns anos depois, na criação de uma iogurteira ecológica, multifunções, a YogurtNest, que em 2017 recebeu o apoio da Corticeira Amorim.

Voltemos a 2008, ano em que Leal se envolveu na criação de um movimento de cidadãos chamado Paredes em Transição, com o objectivo de tornar a sociedade mais sustentável. Fazer hortas comunitárias, sabão a partir de óleo usado, cosméticos e apicultura, enumera. “Estamos numa zona da indústria de mobiliário e havia imensas carpintarias a fechar e então eu tive a ideia de ensinar os carpinteiros a fazer colmeias para abelhas”, conta o biólogo que, entretanto, com um grupo de amigos fundou uma empresa nesta área.

“Queríamos colmeias diferentes, mais sustentáveis, mais bonitas e boas para as abelhas. Nunca usamos tintas, colas, vernizes. E o mínimo de metais e de plásticos. Tínhamos uma responsabilidade ambiental”, resume.

Paralelamente, Miguel Leal começou a pensar em iogurtes, mais concretamente numa iogurteira que fosse sustentável. “O Miguel ensinou-me a fazer iogurte em casa com um emaranhado de camisolas, mas aquilo ficava tudo babado”, recorda Ana Jarvis, que também é bióloga e trabalhava na autarquia de Gaia e na Quinta Ecológica da Moita, em Aveiro. Hoje colabora com Miguel na PrimaLynx, a empresa criada para fazer e vender as iogurteiras YogurtNest.

Se o “emaranhado de camisolas” não era muito funcional, Miguel Leal pensou em transformar as suas colmeias em iogurteiras. “Enchê-las de serrim ou de fitas da madeira”. E porque não criar um saco? Pediu a uma amiga costureira, Susana Moreira, que trabalhava numa fábrica de mobiliário e que agora tem o seu próprio atelier de costura, para fazer um saco que fosse resistente. O interior do mesmo seria feito com as tais sobras da madeira. E funcionou até ao dia em que se derramou leite dentro do saco e o serrim inchou. Era preciso encontrar outro material para rechear o interior do saco, uma matéria que produzisse o mesmo efeito, manter o calor enquanto os iogurtes estão a ser feitos. Foi assim que Miguel Leal chegou à cortiça, mais concretamente à cortiça granulada, em 2013.

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“A primeira iogurteira foi uma senhora alemã, no Algarve, que a comprou e foi assim que começaram a sair para a Alemanha, Áustria, Itália, Estónia. Recebi um e-mail de um comprador francês que queria enviar para a Suécia. Funciona muito pelo boca-a-boca”, conta Leal.

Ainda não se usava o Facebook como agora e já a YogurtNest era internacional, diz por seu lado Ana Jarvis, que continua a apostar em fazer novas receitas e a descobrir outras utilidades para o saco que também pode ser usado como uma estufa para levedar a massa do pão ou mesmo para terminar de cozer o arroz enquanto vai buscar o filho à escola – slow cooking. “Faço o arroz no tacho, como é normal, e quando estiver a ferver, tiro do lume e ponho na YogurtNest. Quando volto, o arroz está pronto.”

Miguel Leal ouve a amiga com orgulho e acrescenta: “Não há pessoa que saiba mais das potencialidades [da YogurtNest] que a Ana. É ela que faz as experiências para fazer os iogurtes com leite, com leites vegetais ou para fazer iogurte grego, queijos, molhos, sobremesas…”

“Podem ser feitos iogurtes para pessoas intolerantes à lactose, basta usar leite sem lactose. Não é preciso juntar açúcar, pode usar mel, frutas ou cereais”, acrescenta Ana. “As bactérias do leite fermentam a 43º, por isso, o leite pode ser aquecido no fogão ou no micro-ondas. Temos percebido que os robôs de cozinha também permitem aquecer e, depois, é só passar para os frascos de vidro”, continua a bióloga que, no site, tem todas as indicações e receitas de como usar a iogurteira da melhor forma.

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A YogurtNest não se vende sozinha, constatam os dois amigos. “Tem um grande calcanhar de Aquiles: é um saco”, revela Miguel Leal que se recorda, há três anos de levar nove YogurtNest para uma feira no Fundão e deixá-las na banca de um amigo. “As pessoas passavam e nem perguntavam o que era aquilo.” Até que no terceiro dia da feira fez um workshop onde demonstrou as potencialidades do “saco”. Miguel Leal voltou a Paredes com duas iogurteiras, as outras vendeu.

Quando estavam a participar no concurso da Amorim, que trouxe à empresa o apoio da corticeira, por cada etapa que passavam, vendiam iogurteiras, continua. “Vendi 20 e tal, todos os participantes levaram uma ou mais.”

“Começamos a ver os iogurtes de outra forma e não há limites. Por exemplo, podemos fazer bebidas vegetais, basta triturar amendoins, tremoços ou quinoa”, aponta Ana Jarvis. Pode fazer-se a papa que vai comer no dia seguinte, ao pequeno-almoço, junta Miguel Leal. “Água, leite ou chá com aveia, deixar na YogurtNest e tem a papa para o dia seguinte”, exemplifica.

O saco pode servir ainda para manter quente a comida que se leva para um piquenique, ou para terminar de a cozinhar antes de chegar ao local onde se vai estender a toalha e comer com a família e os amigos. “Há uma amiga nossa, veterinária, que o usa para transportar as vacinas”, conta Miguel Leal. “E um amigo que usa como almofada de meditação. Portanto, também tem usos não culinários”, resume Ana Jarvis.

Mas não é isso que se pretende. O objectivo é que com esta iogurteira se faça uma vida mais sustentável e saudável, resumem os dois amigos. E é cara? A maior que tem capacidade para 3,5l custa 35 euros e a de 1,5l vale 33,5 euros. “Se fizermos as contas à compra de iogurtes de aromas, os mais baratos, para uma família de quatro pessoas, a YogurtNest fica paga ao final de dois meses. Se contabilizarmos com iogurtes mais caros, como os de soja, então fica paga ao final de um mês”, esclarece Miguel Leal. “Sem contar com os benefícios para o meio ambiente”, acrescenta Ana Jarvis, preocupada com o facto de os microplásticos já terem entrado na nossa cadeia alimentar.

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