Contra o espectáculo, por uma mudança radical

Dizer que se está contra as políticas de Trump e o que Trump simboliza é insuficiente quando se quer fazer-lhe frente politicamente. Para isso, proclama a autora, é preciso não apenas negá-lo mas resistir-lhe com uma alternativa credível.

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Emma McIntyre/Getty Images

Neste livro aparecem esmiuçadas as características que Naomi Klein aponta como geradoras de um fenómeno como a eleição de Donad Trump. É um livro sobre o presente, escrito no presente com os perigos que essa proximidade a um tempo volátil implica. É um apelo apaixonado à reacção radical política e ambiental e não apenas à negação. O planeta, diz ela, não pode esperar.

Não há frieza nem distanciamento neste livro. Só o recuo possível perante o presente a acontecer e uma espécie de apelo ao megafone para dizer que é insuficiente isso mesmo que o título diz: não. Dizer que se está contra as políticas de Trump e contra o que Trump simboliza é insuficiente quando se quer fazer-lhe frente politicamente. Para isso, proclama a autora, é preciso não apenas negá-lo mas resistir-lhe com uma alternativa credível. Quem já leu os livros anteriores desta jornalista e activista social sabe estar perante uma crítica feroz ao neoliberalismo e à globalização económica. Naomi Klein (Toronto, 1970) é vista como uma radical pela direita conservadora e uma determinada defensora de causas justas, como a igualdade social ou a luta pela protecção do ambiente, pela esquerda. Cada livro seu é composto por uma argumentação que resulta de anos de investigação. É assim que costuma trabalhar. Este ano houve uma excepção.

Naomi Klein conta que estava em Sidney e só na manhã seguinte acordou para a vitória de Trump. Participava numa reunião mundial sobre o clima que, perante as notícias que chegavam, rapidamente se transformou de um acontecimento com perspectivas optimistas para assumir ares de catástrofe iminente: ali estava o homem que era uma ameaça para as políticas que aquelas pessoas ali presentes defendiam. Klein descreve esse momento como de viragem pessoal: ali, achou que tinha de dizer mais qualquer coisa; que a catástrofe que todos adivinhavam não era necessariamente inevitável. Dizer Não Não Basta, com o subtítulo explicativo Resistir as Novas Politicas de Choque e Alcançar o Mondo de Que Necessitamos, começa por aí, por ser uma reacção a partir da qual esta Klein dá a sua perspectiva muito pessoal, muito política do momento que teima em estar em permanente mutação.

O quinto livro desta canadiana, que escolheu ter também a nacionalidade americana – a mesma dos pais -, foi escrito em cinco meses, à velocidade dos acontecimentos a que estava a reagir, sem aceder aos meios que os veiculam, ou seja, evitando a velocidade virtual comandada pelas redes sociais onde tudo estava a ser acompanhado em directo em todo o mundo. Era aquilo a que chama o Trump Show. Naomi Klein desligou-se do Twitter, do Facebook e focou-se na tentativa de caracterização do fenómeno, esse mesmo que a levava a escrever: Trump e tudo o que ele desencadeou ao ser eleito presidente dos Estados Unidos.

Viu na ascensão e eleição de Trump um exemplo de um tema que já estudara. Ele era indissociável de várias tendências: “ascensão das Supermarcas, a crescente influência das grandes fortunas sobre o sistema político, a imposição global do neoliberalismo, muitas vezes servindo-se do racismo e do medo do ‘outro’ como poderosos instrumentos, os impactos prejudiciais do comércio livre defendido pelas sociedades anónimas, e o domínio que a negação das alterações climáticas alcançou no lado direito do espectro político. E à medida que fui investigando Trump, ele começou a parecer-me semelhante ao monstro de Frankenstein, algo construído de todas essas e muitas outras tendências perigosas”, escreve na introdução onde explana esta argumentação e que, mais do que uma resposta ou a reposta a todas as interrogações suscitadas justamente pela eleição de Donald Trump, deve ser lido como mais um auxiliar de leitura desse mesmo acontecimento.

É um livro político, de uma ex-apoiante de Bernie Sanders - “Bernie não era um candidato de protesto”, justifica assim esse seu primeiro apoio político assumido a um candidato -, com uma perspectiva política bem vincada: a de que só tomadas de posição radicalmente opostas às de Trump podem ser uma alternativa e não a mera negação dessa política e do que ela representa. E nisso, Klein não poupa a esquerda; aliás, o dedo está apontado a ela, ao Partido Democrata - que critica por ser parte do mesmo sistema que alimentou as condições para se chegar aqui, e ao modo como esse partido argumenta, usando processos semelhantes, aceitando o palco onde o espectáculo se desenrola e os meios através dos quais ele é veiculado. Diz ainda que a esquerda reage ao momento como Trump quereria, reacção emocional e irreflectida. Falta estratégia, acusa Klein, num período da história marcado pela volatilidade, onde cada acontecimento é visto como parte de uma trama que tem um grande protagonista e maestro: Trump. “A posição onde estávamos antes de Trump ser eleito e aquela que produziu Trump”, defende, condenando as televisões, sobretudo, por ao longo de anos, ajudarem a difundir uma marca - o nome Trump - de forma gratuita. Essa visibilidade foi fulcral para a eleição e a marca tornou-se toda poderosa.

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