O Montepio e a política de sarjeta

O grande objetivo de PSD e CDS é que o Montepio seja obrigado a abrir-se a privados.

Os últimos dias são a prova que faltava para que possamos considerar o estado de coma em que se encontram os partidos mais à direita do nosso sistema partidário.

Já há muito que identificávamos a desfaçatez de Cristas quando, esquecendo os mais de quatro anos em que foi ministra das florestas, se empoleirou no sofrimento alheio para tentar mascarar a sua indigente liderança. Mas os mais recentes episódios sobre a Raríssimas fizeram da líder do CDS a mestre do soalheiro maldizente.

Não há um só português de boa índole que ache de Vieira da Silva o que o CDS apregoou, não há um só eleitor que se reveja no estilo trauliteiro que PSD e CDS usaram sobre um processo onde não há ilegalidade, nem imoralidade, nem negligencia alguma.

O problema do CDS é simples — assume-se como o partido a caminho do “trumpismo” português, uma formação que se arrasta pela conversa do dia, que se fica pelos textos da sua líder onde não abundam mais do que os básicos 50 vocábulos de um analfabeto de retrocesso.

Nesta matéria há, porém, uma questão mais profunda e um interesse mais íntimo que os portugueses precisam de antecipar e a ele reagir.

O PSD e o CDS, ao assumirem-se contra a entrada da Santa Casa da Misericórdia no Montepio, não é porque achem que há algum problema com os bens, os recursos e o futuro da Santa Casa. O CDS dos interesses e uma parte dos negócios do PSD revelam-se contra a operação porque o seu grande objetivo é que o Montepio seja obrigado a abrir-se a privados, a fundos-abutre que, a prazo, o levariam do universo mutualista.

Há no PSD e no CDS uma larga rede de conveniências, uma teia de advogados de negócios que fazem intermediação, uma lógica de assalto aos bens públicos e coletivos que não cessou com as privatizações das últimas joias da coroa. Esse caminho fez do país refém de outros obscuros poderes, levou a uma deterioração do serviço prestado e transportou os centros de decisão para espaços virtuais de difícil perceção. O que se passa no setor segurador é bem o exemplo de como se pode “roubar” um país pela ação de agentes cara de santo e de anjos vestidos de laranja, azul e amarelo.

Na ala à direita do hemiciclo de S. Bento já todos esqueceram o estado em que deixaram a Caixa Geral de Depósitos, a resolução irresponsável que impuseram ao BES e o alçapão que desprenderam no Banif. Se houvesse memória seriam os portugueses a retirar a capacidade eleitoral ativa a Maria Luís Albuquerque, cara e corpo das vergonhas vividas e notária das partituras de Sérgio Monteiro.

Está claro que Assunção Cristas, essa grande figura repleta de responsabilidade que tenta ser ilustríssima nesta terceira república, sempre dirá que assinou de cruz, que no momento das grandes decisões até estava de férias.

Mas regressemos ao Montepio. Há uma coisa que sei — Santana Lopes não é um amador, nem um calcinhas. Se aceitou conversar sobre a participação num projeto como o do Montepio, depois de ter avançado com a hipótese de entrar no Novo Banco, foi porque entendeu ser estratégico para a sua instituição, percebeu que pode ser importante para o setor social e que a Santa Casa não se colocaria numa situação de desequilíbrio futuro ao nível da assunção das suas responsabilidades sociais. Talvez não tenha antecipado, nesse inicial tempo, que viria tão rápido a entrar numa nova disputa pela liderança do PSD...

Temos ouvido gente, que não sabe o que diz, proclamar que o dinheiro dos pobres não pode ser para aplicar num banco. Tontices de especialistas em enganar os portugueses. A Santa Casa da Misericórdia tem as suas vocações mas também tem as suas obrigações. Por exemplo, o jogo que promove vai, em parte significativa, para um vasto conjunto de entidades públicas e privadas, não fica só na atividade solidária restrita à capital. E o seu património é mais vasto, até porque veio de muitas origens, do que o que é obrigatoriamente implicado na caridade.

Por agora só esperamos que o Governo se não deixe limitar na decisão de resolver o problema Montepio. Esta é a via mais adequada, mais equilibrada e com mais futuro. O Montepio é, também, uma instituição que vai para além do seu banco, que se expande por inúmeros setores de natureza social. Por isso as duas instituições se complementam, se consagram vizinhas nos objetivos.

O Presidente da República, atento e cuidadoso, deve ajudar a esta solução. Porque também saberá que há muita gente à espera que tudo isto fracasse para assaltar pote.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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