Estado já pagou as seis pinturas de Vieira da Silva que andava a tentar comprar há anos

O conjunto de obras daquela que foi uma das mais importantes artistas portuguesas do século XX já é oficialmente do Estado. Custou 5,5 milhões de euros e o pagamento foi feito esta manhã. O Estado resolveu antecipá-lo porque tinha condições orçamentais para o fazer e porque pôde, assim, poupar nos juros.

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L'Esplanade, de 1967, faz parte do lote das seis importantes pinturas de Maria Helena Vieira da Silva que o Estado acaba de comprar DR

Ao contrário do que estava previsto, e após visto favorável do Tribunal de Contas, o Estado pagou numa só tranche os 5,55 milhões de euros relativos à compra de seis quadros de Vieira da Silva, indicou à agência Lusa fonte oficial.

Contactado pela Lusa sobre o processo, o gabinete do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, indicou que a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) efectuou o pagamento esta manhã e as obras “já são propriedade do Estado”.

Sobre o facto de o acordo original prever o pagamento em três tranches, a vencer respectivamente em 2017, 2018 e 2019, a mesma fonte indicou que uma “folga orçamental permitiu antecipar [a operação], poupando os juros” que o faseamento implicaria.

O acordo final entre o Ministério da Cultura e os proprietários das obras, herdeiros do empresário e coleccionador Jorge de Brito (1928-2006), previa o pagamento dos 5,55 milhões de euros pelo conjunto em três prestações, a primeira das quais a saldar até ao final desta semana.

A aquisição das seis pinturas de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) para o museu com o seu nome, em Lisboa, tinha sido anunciada em Setembro deste ano, após decisão do Conselho de Ministros, mas a concretização da compra, assinada em Outubro, aguardava o visto do Tribunal de Contas, que chegou a 22 de Dezembro.

Ainda de acordo com este documento, disponível online na base de contratos públicos, a primeira tranche, de três milhões de euros, deveria ser paga em 2017, a segunda, de 1,275 milhões de euros, em Janeiro de 2018, e a terceira e última, no mesmo valor, em Janeiro do ano seguinte. Com o pagamento total, por atacado, da verba acordada – hipótese também prevista no contrato, caso houvesse condições orçamentais para tal –, o Governo poupa os juros compensatórios, que teriam começado a contar desde o início de Outubro de 2017.

Através da DGPC, a aquisição definitiva do conjunto cumpre o exercício do direito de opção de compra pelo Estado, previsto no protocolo celebrado a 9 de Agosto de 2011 com a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva (FASVS) e os herdeiros do coleccionador. E vem pôr termo a um longo processo que já passou pela mão de vários titulares da pasta da Cultura e cujo desfecho tardava. 

Em Setembro deste ano, o Conselho de Ministros pronunciara-se sobre o presente contrato, dizendo que tinha como objectivo “assegurar a manutenção no país e a fruição pública das obras de uma das mais consagradas artistas nacionais” do século XX.

As seis pinturas em causa – Novembre (1958), La Mer (1961), Au fur et à mesure (1965), L’Esplanade (1967), New Amsterdam I e New Amsterdam II (1970) – estão no lote das obras mais significativas em exposição no Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva. Perdê-las, na eventualidade de os herdeiros as venderem num leilão no estrangeiro, cenário que foi várias vezes colocado ao longo dos anos devido à morosidade do Estado em encontrar uma solução que garantisse a sua aquisição, seria catastrófico, disse inúmeras vezes a directora do museu, Marina Bairrão Ruivo.

Um longo processo

As obras chegaram a ser negociadas pelo anterior titular da pasta da Cultura, João Soares, no início de 2016, sem que se concretizasse a transacção, embora os proprietários tivessem admitido à agência Lusa, na altura, que aceitavam trocá-los por terrenos do Estado. Durante o processo de negociação foi adiantado um valor global de seis milhões de euros para as seis obras em causa.

Os seis quadros tinham sido emprestados à FASVS no âmbito de um acordo de cedência, válido por cinco anos, que terminou em 31 de Dezembro de 2015. Foi nesse mesmo ano que os herdeiros de Jorge de Brito indicaram à Lusa a intenção de vender as obras em leilão, caso não houvesse disponibilidade do Estado para as comprar.

A directora do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, Marina Bairrão Ruivo, e o presidente da FASVS, António Gomes de Pinho, defenderam sempre a manutenção dos quadros no museu, que detém um significativo acervo da pintora, e que se dedica à preservação e à divulgação da obra de Vieira da Silva (1908-1992) e do marido, o também artista Arpad Szenes (1897-1985).

Em Janeiro de 2016, Gomes de Pinho fez um apelo aos proprietários das seis pinturas para chegarem a uma solução que preservasse “o interesse nacional”.

A FASVS foi criada em 1994 e, na altura, o coleccionador Jorge de Brito (1927-2006) depositou ali 22 obras da pintora, a título de empréstimo. A família contestou sempre um processo de classificação das obras feito pelo Estado e acabou por retirar progressivamente todas as pinturas do museu, até meados de 2011.

O arquivamento do processo de classificação, em Julho de 2011, durante a tutela do secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, levou a família Brito a estabelecer outro acordo de cinco anos, para depositar novamente alguns quadros de Vieira da Silva na FASVS.

No mesmo ano, os herdeiros de Jorge de Brito realizaram, em Paris, um leilão de algumas obras do coleccionador, tendo sido vendido um quadro de Vieira da Silva por 1,5 milhões de euros, um recorde para uma obra da pintora portuguesa que passou boa parte da sua vida em França, onde o seu trabalho foi pela primeira vez reconhecido.

Nascido em Lisboa, em 1927, Jorge de Brito adquiriu várias instituições financeiras, tendo fundado o Banco Internacional Português, entre outras empresas. Fixou-se em Paris, depois do 25 de Abril de 1974, regressando a Portugal no início dos anos 80, e a sua paixão pela arte resultou numa colecção com três mil obras, na maioria pintura.

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