NBA: tradição para os adeptos, privação para os jogadores

Os jogos de basquetebol no dia de Natal são há muito um cliché nos Estados Unidos, mas um cliché construído à custa de sacrifícios familiares para a maioria dos protagonistas

Jogo entre os Orlando Magic e os Washington Wizards
Fotogaleria
Jogo entre os Orlando Magic e os Washington Wizards Geoff Burke/Reuters
Fotogaleria
Jogo entre os Indiana Pacers e os Denver Nuggets USA Today Sports
Fotogaleria
Jogo entre os Orlando Magic e os Washington Wizards Geoff Burke/Reuters
Fotogaleria
Jogo entre os Boston Celtics e os Chicago Bulls Bob DeChiara/Reuters
Fotogaleria
Jogo entre os Denver Nuggets e os Golden State Warriors Kyle Terada/Reuters

Phil Jackson sabe como ninguém o que é um Natal à moda da NBA. Ao todo, foram 26 os jogos que cumpriu no dia 25 de Dezembro, primeiro como jogador, mais tarde como um dos mais carismáticos treinadores da história do basquetebol. Para o técnico que conduziu os Bulls e os Lakers a eras de hegemonia, a tradição desportiva iniciada nos Estados Unidos em 1947 choca de frente com a tradição cristã, num braço-de-ferro que não tem razão de existir. Como ele, há um campo cheio de protagonistas a pensar da mesma forma, sem que nada tenha mudado até hoje. “The show must go on”.

Excentricidade talvez seja um termo abusivo, por isso vamos chamar peculiaridade a este hábito com 70 anos da NBA de organizar jogos no dia de Natal. Nenhuma outra modalidade convoca as suas “tropas” numa data tão solene – a que mais se aproxima até é o futebol, que invade os estádios em Inglaterra no célebre Boxing Day – e já chegaram a ser sete as partidas agendadas para 25 de Dezembro, na melhor Liga de basquetebol do mundo. Hoje são “apenas” cinco.    

“Não me parece que alguém devesse jogar no dia de Natal. As equipas de futebol não jogam nesta altura, fazem uma pausa. Não compreendo… É como se os feriados cristãos já não significassem nada. Vamos para o campo, jogamos e entretemos as televisões. É realmente estranho”, desabafou Phil Jackson em 2010. Um ano antes, tinha sido outro treinador, Stan Van Gundy (na altura ao leme dos Magic), a vociferar contra a decisão. “Sinto pena das pessoas que não têm mais nada para fazer no dia de Natal a não ser ver um jogo da NBA. Às vezes parece que o desporto pensa que é mais importante que tudo o resto”.

Estas declarações em concreto mereceram não só o repúdio da cúpula da NBA, mas também uma multa. E a verdade é que, apesar de as críticas não terem sido varridas para debaixo do tapete, o discurso hoje é mais de conformismo e resignação. Não, os jogadores não apreciam a competição numa data reservada ao tempo em família, mas foram-se habituando à ideia. É o preço a pagar por subirem na carreira, já que a ideia é reunir os melhores neste período.

“Há uns anos, o Natal calhou numa quarta-feira e por isso tivemos de viajar. Acabámos por celebrar o Natal no domingo anterior, três dias antes da data. Acordámos nessa manhã e eu gritei: ´É Natal, pessoal. Feliz Natal. Vamos abrir os presentes. Chegou o Pai Natal’. Eles [os meus filhos] nem se aperceberam”, conta Chris Bosh, extremo-poste dos Miami Heat, citado pela ESPN.

Cada um improvisa como pode, dependendo de o jogo em causa ocorrer fora de portas ou no pavilhão da equipa que representam. “No ano em que jogámos em Orlando, quando eu estava nos Hornets, o jogo foi às 12h, por isso, às 20h estava em casa. Só nos atrasou um pouco o jantar”, recorda David West, hoje nos Golden State Warriors. “Nas outras vezes, simplesmente não fez sentido. Sacrifica-se muito a vida familiar”.

Na primeira edição da NBA versão Natal, há 70 anos, ficou para a história um embate entre os Knicks e os Providence Steamrollers, com triunfo para a equipa de Nova Iorque (89-75). Nesse ano, a transmissão televisiva do encontro teve apenas alcance local e foi preciso esperar mais duas décadas para que a cadeia ABC entrasse em cena para transformar o dia 25 num evento desportivo de carácter nacional. Desde então, a projecção tem crescido a olhos vistos, chegando hoje as imagens dos jogos a 215 países, com os comentários a serem traduzidos em 47 idiomas.

Mais do que uma nova afirmação de força de um desporto de massas, o que está em causa é um golpe de marketing e a maximização de audiências, num dia em que as famílias permanecem em casa durante largas horas com o televisor pela frente. David Stern, o quarto comissário da NBA, que deixou o cargo em 2014, percebeu como poucos o potencial da proposta e em 2012 apostou em equipamentos especiais (desenhados exclusivamente para estas partidas) para uma ocasião especial. Mais uma fonte de generosas receitas num negócio que parece não ter limites.

Neste ano, o calendário reservou um Philadelphia 76ers-New York Knicks, um Washington Wizards-Boston Celtics, um Houston Rockets-Oklahoma City Thunder, um Minnesota Timberwolves-LA Lakers e um apetecível Cleveland Cavaliers-Golden State Warriors para o dia 25. Pelo segundo ano consecutivo, o já retirado Kobe Bryant, um dos recordistas de presenças, não terá de se preocupar com interferências na agenda familiar. Nem terá de criar rituais alternativos, como tantas vezes fez, que não estejam dependentes do dia de Natal: “Todos os anos íamos ver o Quebra-Nozes, fizemo-lo durante 15 anos”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários