Catalunha: riscos e consequências

O problema é que o risco é catalão, mas as consequências podem também ser nossas.

1. As eleições regionais na Catalunha de 21 de Dezembro não alteraram a situação política nem naquela autonomia nem em Espanha. Ficou tudo como estava. A fratura e as divisões na sociedade catalã permanecem praticamente idênticas, o pano de fundo politico não mudou, os eleitores cristalizaram as opções.

Indo ao detalhe. Em número de deputados, ganharam os partidos independentistas, embora baixando nos últimos sete anos de 76 para 70 parlamentares. Mas se fosse um referendo, os votos pela independência ficavam em 47,5%. Nesta leitura, tão legítima como todas as outras, os catalães não querem a independência.

Curiosamente, na Catalunha a análise dos resultados não se fez, como em todas as eleições, entre a esquerda e direita. Se fosse assim, o centro-direita teria 74 deputados contra 61 da esquerda. Outra leitura possível.

Finalmente, e ao contrário do irregular referendo de Outubro, esta eleição decorreu de forma legal e sem incidentes. E ganhou um partido recente de centro-direita, Ciudadanos, nascido na Catalunha e com crescentes aspirações nacionais. Não irá formar Governo. Não é situação inédita.

E a Catalunha amanhã? Provavelmente os independentistas irão outra vez para o Governo, mesmo com o preço a pagar aos populistas. E fica por ver o estatuto que a justiça espanhola vier a permitir a detidos e a fugitivos eleitos in absentia. Não irão ser momentos fáceis.

2. A resposta dos eleitores catalães não foi suficiente para aclarar perspetivas. Sabemos, no plano económico, que 3100 empresas abandonaram a Catalunha. O presidente de um grande banco espanhol anunciou que o PIB catalão diminuiria 20% se persistir o impulso de independência. E a Moody’s já veio dizer que assim não há investimentos nem na Catalunha nem em Espanha.

No plano político, Puigdemont enveredou por uma via latino-americana: transformou a fuga em exilio e quer negociações em países terceiros como as FARC da Colômbia. O seu partido não divulgou programa ou objetivos porventura para não afastar eleitores libertários. Mas as ruas de Bruxelas foram mais eficazes em resultados do que a masmorra de Junqueras.

Por seu lado, o Governo espanhol não se desvia um milímetro das posições tomadas. E Rajoy já deu a entender que essa será a via do futuro, fosse qual fosse a nova Generalitat. Esta rigidez politico-legalista terá certamente custos, que o PSOE irá explorar. Mas até agora resultou. É certo que o PP tropeçou na Catalunha. Mas já não é certo que ao ser responsabilizado pela crise catalã não tenha ganho votos no resto de Espanha. Ainda assim, são outros 39 milhões de espanhóis que na sua larga maioria, com exceção de bascos e alguns galegos, não se reveem nas opções independentistas.

3. Porque o problema não é só catalão. É espanhol, é europeu e também português. Apesar do esforço enviesado de alguns que quadraturam a questão, a Espanha é um Estado de Direito. E como em qualquer país democrático, a separação entre os poderes politico e judicial é clara e transparente. Tão clara e transparente como em França, em Inglaterra ou Portugal. E isso significa que Puigdemont não está no exílio, mas fugido à justiça e que não há “tribunais de Rajoy”.

A perspetiva de novas eleições em Maio ou Junho, se não houver estabilidade politica e respeito pela legalidade, torna mais premente uma solução negociada. Poderá ser discreta, bilateral, com intermediários, ou com telejornais. Mas tudo aponta que, sendo necessária, tem timings distintos em Madrid ou em Bruxelas.

Na fase final, qualquer negociação com forças independentistas terá que passar por uma revisão constitucional, no que concordam populares, socialistas e cidadãos. Essa revisão não pode privilegiar a Catalunha em detrimento das outras 18 comunidades autónomas. E como qualquer revisão, ao contrário do que sucede em Portugal, terá que ser objeto de um referendo, e será difícil à generalidade dos espanhóis e dos partidos nacionais aceitar uma federalização que induza independências regionais, altere as especificidades no financiamento do Orçamento do Estado ou modifique a partilha de custos políticos nacionais. Até essa revisão, a atual Constituição estará em vigor. E também na Catalunha, já que o Governo não pode permitir spill-overs noutras autonomias.

Quanto à posição portuguesa, que o Governo definiu após algum compasso de espera, é clara e não podia ser outra: o único interlocutor de Portugal em Espanha é Madrid. Tal como o disseram franceses, alemães e quase todos os outros europeus.

Parece assim haver para os independentistas um feixe de convergências negativas politicas, económicas, legais e internacionais. Irão procurar encontrar soluções que Madrid avaliará pela bitola já estabelecida. O problema é que o risco é catalão, mas as consequências podem também ser nossas.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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