Cartas de amor centenárias de soldados portugueses vão ser expostas em França

Mostra Amores Suspensos será exibida na cidade de Vieille-Chapelle, de 6 de Abril a 7 de Maio.

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Monumento aos portugueses mortos na batalha de La Lys na aldeia de La Couture, Richebourg Enric Vives-Rubio

A cidade de Vieille-Chapelle, no Norte de França, vai ser palco da exposição Amores Suspensos, de 6 de Abril a 7 de Maio, que vai mostrar cerca de 150 cartas de amor de soldados portugueses que combateram na I Guerra Mundial em França.

A exposição vai estar patente no âmbito do centenário da Batalha de La Lys, a 9 de Abril, em que morreram cerca de dois mil soldados do Corpo Expedicionário Português (CEP), nas vésperas do render de tropas.

A mostra está a ser comissariada pela bisneta de um soldado português que lutou na frente de batalha francesa, Aurore Rouffelaers, a partir da colecção póstuma de Afonso Maia, neto de um outro soldado português e que dedicou grande parte da sua vida a estudar o CEP.

Das 150 cartas e postais escritos em língua portuguesa, "entre 30 a 50" deverão ser traduzidos para francês para contar os "amores colocados entre parêntesis" devido à guerra, explicou à Lusa Aurore Rouffelaers.

O interesse pelas histórias de amor na Grande Guerra surgiu com os relatos da avó, Felícia Glória d'Assunção Pailleux, que sempre lhe falou sobre o pai soldado que se apaixonou por uma francesa e que, no final da guerra, trocou Portugal por França e teve 15 filhos.

"O teor das cartas é suave no meio da violência extrema que é a guerra. A exposição chama-se Amores Suspensos porque o amor foi colocado entre parêntesis e isso acaba por alimentar e aumentar o amor. Vamos pendurar as cartas no tecto, com laços de todas as cores para que voem. O correio é mesmo assim, ele voa", descreveu.

As 150 cartas de amor portuguesas são uma gota no oceano face às mil milhões de cartas, escritas em diversas línguas, que foram enviadas durante a Primeira Guerra Mundial, já que a correspondência "era a forma de os soldados se manterem vivos", continuou Aurore Rouffelaers.

As cartas dão uma outra visão da guerra, porque os militares "não podem contar o horror do quotidiano", tendo em conta que "as cartas eram abertas e têm o carimbo da censura" e por "respeito pelas famílias". "Os soldados contam a saudade, as pequenas histórias, a pequena guerra, porque não querem preocupar a família nem ser censurados. Eles tentam saber notícias dos outros que estão a combater, porque a família tem cartas de todos, enquanto o soldado na trincheira não sabe onde está o irmão ou o primo", continuou Aurore Rouffelaers.

O "inferno com os pés na lama" ficava à margem das cartas, assim como as descrições de como "o campo de batalha cheira a pólvora e a morte", ou de como "a comida é nojenta e fria", ou ainda de como "o ribombar dos bombardeamentos é permanente, e o 'ba ba bam ba ba bam' está sempre nos ouvidos".

"Não podes contar à tua mulher que hoje estiveste para morrer quatro vezes. Não podes contar que o bombardeamento foi tão intenso que os corpos que estavam enterrados no 'no man's land' voaram pelos ares e havia bocados de cadáveres por todo o lado. Não podes contar isto à tua mulher, se não ela deixa de viver", destacou Aurore Rouffelaers.

Para sobreviver, sobravam as palavras sugestivas "para manter a líbido" e uma ou outra lembrança dentro do envelope, algo transversal a todos os batalhões de diferentes nacionalidades.

"Nas cartas portuguesas ainda não encontrei, mas nas francesas, quando os soldados estão há muito tempo na frente, encontram-se matérias orgânicas ou coisas mais românticas como uma madeixa de cabelo ou flores", concluiu.

Aurore Rouffelaers tem 38 anos e é também a coordenadora do Centro de Turismo de Béthune-Bruay para as comemorações do centenário da Primeira Guerra Mundial, estando a trabalhar em coordenação com o cônsul honorário de Portugal em Lille, Bruno Cavaco.

A lusodescendente é também comissária da exposição Racines [Raízes] sobre descendentes de portugueses que combateram na Primeira Guerra Mundial e que vai estar patente de 6 de Abril a 7 de Maio de 2018, na cidade de Richebourg. 

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