Eu acredito no Pai Natal

A minha mãe disse-me que ninguém pode ver o Pai Natal. Se eu o vir, assusto-o e ele nunca mais volta. Tenho de ir para a cama. Não quero que o Pai Natal nunca mais volte

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Drew Coffman/Unsplash

Eu acredito no Pai Natal, mas não o posso ver, tenho de me esconder, tenho de dormir, tenho de sonhar e suspirar pela manhã, pelo acordar de um pulo da cama num dia de sol, no dia de Natal, e correr com uma pantufa num pé e a outra para trás a dançar no chão do quarto enquanto mergulho na direcção das nossas prendas, as minhas e as da minha irmã mais nova, e o papel voa, e os embrulhos voam, e duas crianças riem de alegria, os nossos pais abraçam-se à porta da sala e a minha mãe chama pelos meus avós.

Eu acredito no Pai Natal, ele vem a meio da noite sem ninguém saber, sem ninguém ouvir, já lhe pedi o forte dos cowboys, mas não sei se ainda é desta, não sei se me portei bem o suficiente este ano, eu acho que sim, mas não me lembro. Lembro-me que no ano passado não recebi o forte, recebi a casa do xerife e fiquei todo contente depois de tantas horas a namorar os catálogos dos "Playmobis".

Eu acredito no Pai Natal, gostava de o ver, de o abraçar e beijar, agradecer, agarrar-me a uma perna e não largar, gostava que ele ficasse, gostava de falar com ele, de brincar com ele, de ficar com o Pai Natal cá em casa, os meus pais não se importam, pode ficar a dormir no quarto pequenino onde dormia a avó velhinha, vou ajudar a mãe a fazer a cama e esperar.

A minha mãe disse-me que ninguém pode ver o Pai Natal. Se eu o vir, assusto-o e ele nunca mais volta. Tenho de ir para a cama. Não quero que o Pai Natal nunca mais volte. De manhã as prendas, ainda não recebi o forte mas agora já não me importa, agora quero mais: quero o Pai Natal.

E sim, claro que fiquei contente, recebi o acampamento dos índios, com dois bisontes e tudo, e olhem para mim, não vêem, estou no cimo de um cavalo sobre uma pradaria a disparar setas, umas atrás das outras, na direcção dos bisontes, muitos anos antes dos direitos dos animais, mesmo quando os ditos são de plástico (não reciclado).

O Pai Natal existe, eu sei que existe, os meus amigos lá da escola estão todos contentes e não falam de outra coisa. Alguns até já receberam uma prenda ou duas e eu pergunto porque é que o Pai Natal gosta mais deles e menos de mim?

A minha irmã diz-me que o Pai Natal não existe e eu não acredito nela. Ela diz-me que me mostra depois da escola, e eu não acredito. Chego a casa e a minha irmã desce as escadas para o rés-do-chão, traz a chave na mão e abre a porta da casa dos meus avós, triunfante em direcção à arrecadação do vão das escadas. “Olha lá para dentro.” E toda as prendas, incluindo o forte, empilhadas, guardadas, escondidas, adormecidas, à espera da noite de Natal. “O Pai Natal não existe”, disse-me. "A mãe, o pai e os avós é que compraram estas prendas todas." Mas agora sim, finalmente, eu sei que o Pai Natal existe.

Anos volvidos e chega a minha vez: já tenho o saco cheio de prendas para levar e dar e mal posso esperar pela noite de Natal. Estamos a 24 de Dezembro, 23h, mais coisa menos coisa, e estaciono o carro à porta. Pé ante pé subo as escadas sem fazer barulho e meto a chave à porta. “Boa, já está a dormir!”, penso, e percorro a sala devagarinho em direcção à árvore de Natal. A barba está a fazer-me comichão no nariz e faço força para não espirrar. Uma luz acende-se de repente e, espantado, volto-me para trás enquanto a minha sobrinha grita “Pai Natal!” e de um pulo só agarra-se às minhas pernas.

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