Paul Jebanasam e uma experiência audiovisual que nos agarra à vida

O som de Paul Jebanasam e as imagens de Tarik Barri explorando o espectro de vida e energia do universo, numa poderosa performance audiovisual esta quarta-feira, no Maria Matos, em Lisboa. A música pode agarrar-nos à vida, diz-nos Paul.

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Paul Jebanasam, que conta ao vivo com a colaboração imagética do artista visual Tarik Barri dr
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Paul Jebanasam dr
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A música, a imagem, ou um documento audiovisual para a criação da vida no universo. Um olhar para o infinito através de uma experiência imersiva com tanto de auditivo como de visual. É esse o programa da noite desta quarta-feira, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, para a apresentação de Continuum, o álbum do ano passado do compositor e músico Paul Jebanasam, que conta ao vivo com a colaboração imagética do artista visual Tarik Barri.  

“A partir do som e das imagens tentamos criar uma atmosfera que tem qualquer coisa de esmagador e de caloroso em simultâneo, numa junção de ideias sobre a ciência e a natureza que têm a ver com a criação do universo”, tenta explicar-nos Paul Jebanasam quando o desafiamos a descrever o espectáculo de Lisboa. “São ideias que colocam em evidência a nossa relação de perplexidade com o mundo. Não pretendemos interpretar de forma audiovisual essas idealizações, mas tentamos criar uma impressão ou uma energia, de uma maneira abstracta, que se reporta a elas.”

Quem já viu a dupla ao vivo (estiveram, por exemplo, no festival Semibreve de Braga em 2016) fala de uma experiência arrebatadora e imponente de som, luz e imagem, e não é difícil de percepcionar que assim deverá ser, tendo em atenção os protagonistas. Nascido no Sri Lanka, com passagem pela Austrália, antes de assentar na cidade inglesa de Bristol, Paul Jebanasam é um dos responsáveis pela editora Subtext, ao lado de Roly Porter e Emptyset, tendo lançado até ao momento três álbuns. Um deles foi registado ao vivo numa igreja e os outros dois em estúdio.

Move-se pelas áreas do ambientalismo, do ruído digital, da espacialidade, da distorção electrónica, nas fronteiras entre a composição contemporânea, as sonoridades mais livres e experimentais ou a música sacra, trabalhando o som quase como se fosse uma instalação artística, num espectro onde tanto se podem escutar influências das composições de Gorecki ou Arvo Pärt como das electrónicas de Ben Frost ou Deathprod. Por sua vez, o holandês Tarik Barri trabalhou aspectos visuais para nomes da música como Thom Yorke (Radiohead), Nicolas Jaar ou Monolake. Na apresentação de Continuum têm um papel que se complementa.

“Quando vi pela primeira vez o trabalho visual de Tarik percebi de imediato que existia uma conexão. Ele interessava-se tanto por luz e música, e como poderiam ser estruturadas a partir de distintos níveis, como pelas formas como podemos apreender a realidade e como a nossa mente transforma diversas fontes para tentar construir uma nova unidade”, explica Paul Jebanasam. “O que me move, e também a Tarik, é criar um outro nível de experiência, em que as ideias se transformam num novo tipo de energia, e para isso acontecer as imagens passam a ser indissociáveis do som.”

Os conceitos que inspiraram a música, ou os temas que estavam por detrás do álbum, tanto respeitavam procedimentos científicos como conotações religiosas. “Esse era o lado teórico que me interessava. As pessoas tendem a falar, por exemplo, sobre a origem do mundo como algo intangível, e é-o. Mas, ao mesmo tempo, é algo que está inscrito na nossa vida quotidiana a toda a hora. Quando alguém doente luta pela vida, esse lado primordial do confronto com a morte vem ao de cima e num outro nível de leitura o que vemos constantemente é a vida a tentar não ceder à morte. É incrível o espectro de vida, poder e energia presente no universo. Nesse sentido, a música que deriva e excede essas experiências pode funcionar como força que nos agarra à vida.”

Na música de Paul Jebanasam há elementos sonoros que parecem provindos de órgãos de igreja ou de instrumentos de cordas, mas no geral tudo é transformado no computador, esclarece ele. “As temperaturas, as proporções, as trajectórias, a energia, as velocidades, as densidades, o tempo e o espaço, e como todos esses elementos interagem entre si, é aquilo que me interessa verdadeiramente, independentemente das ferramentas. Mais do que separar, interessa-me ligar. Nesse sentido, é-me indiferente a proveniência dos sons. Da mesma forma que me importa perceber o que poderá juntar ciência, religião ou arte. Nas explicações científicas sobre a origem do mundo tal como nas religiosas existem elementos de racionalidade e de fé, com todas as suas potencialidades e limitações. Neste trabalho quis expor essas diversas leituras, mais do que posicionar-me e ter de escolher.”

De todas as artes, a música é talvez aquela que de uma forma mais directa pode induzir a uma certa transcendência, mas se, por vezes, esse é o ponto de chegada do som desenvolvido por Paul Jebanasam, não é de todo o de partida. “Quando vou para estúdio, não vou a imaginar que dali vai sair qualquer coisa que possa conduzir para aí. Quer dizer, não tenho essa ambição de gerar música com um grau de transcendência. Foco-me em algo de mais microscópico, seja uma linha de um poema ou uma imagem. Depois isso pode crescer e nesse processo pode ser criado algo que remeta para essa tal sublimidade, mas não a procuro.”

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"A partir do som e das imagens tentamos criar uma atmosfera que tem qualquer coisa de esmagador e de caloroso em simultâneo, numa junção de ideias sobre a ciência e a natureza que têm a ver com a criação do universo." Paul Jebanasam

Dividindo-se em três partes, Continuum é composto por três faixas de cerca de 15 minutos cada, recriando eventos celestiais, algoritmos em acção ou comportamentos celulares, com a inspiração para a sua feitura a provir de vários objectos artísticos, entre eles o filme A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick.

“Gosto do ambiente quase religioso do filme e da evocação do passado e do futuro, como se o presente pudesse ser esse espaço onde se pode recomeçar do zero. Na verdade, foi a partir daí que imaginei todo este projecto, imaginando como é que, a partir das experiências e do conhecimento que existe, é possível criar uma outra energia, ou uma outra realidade, que é ainda e inevitavelmente a mesma, mas que acaba por ser outra também.”

Uma outra realidade onde coincidem ideias, emoções, música e imagens, envolvidas por um vasto sistema que passamos o tempo a tentar compreender, procurando nessa descodificação algum conforto, seja na religião, na ciência, na filosofia ou em ensaios audiovisuais, como na proposta de Paul Jebanasam e Tarik Barri.

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