Startups: entre a visão e o culto

Racionalidade, imaginação e visão estratégica são vitais. O culto é um risco.

A atenção nacional dedicada à recente conferência da Web Summit veio evidenciar a forma como o universo da nova tecnologia e o âmbito das startups congregam uma enorme atração pública. Obviamente, tal como ao longo da história outros saltos tecnológicos induziram ondas de novas aplicações e respetivos modelos de negócio, as novas tecnologia da informação potenciam aplicações inovadoras na economia e na sociedade. Em síntese, a focalização pública é justificada.

Contudo, as recentes startups tecnológicas tendem a transformar-se também num culto, num ambiente de esperanças desmesuradas de muitos que julgam ser fácil ser um novo Steve Jobs e enriquecer, por exemplo com um programa que vai mudar o mundo. A força da motivação é importante, mas desde que não crie ingenuidade, sempre perigosa. A Web Summit não é verdadeiramente um enorme motor de encontros entre promotores de startups e financiadores, mas uma simbiose entre uma excelente conferência, um ambiente de festival rock, um desfile de celebridades e imagens de cosmopolita convívio noturno no Bairro Alto.

Na verdade, a melhor startup neste evento é a própria Web Summit, um modelo de negócio muito bom e lucrativo. O seu principal fundador, Paddy Cosgrave, é brilhante, modesto, conhecedor e honesto. E realista como a maioria dos promotores de startups não é, no caso destes por inexperiência e ingenuidade mesmo quando, na verdade, possuem uma ideia interessante. É insensato supor-se que a racionalidade de cada projeto pode ser substituída pela fundamentalista fé no sucesso e pelo dinheiro relativamente fácil de investidores (frequentemente também menos experientes do que gostam de reconhecer).

Captar financiamento não é a grande dificuldade num mundo de baixas taxas de juro. De facto, 18-19 em cada 20 startups acabam por falhar, desperdiçando o que pode ter sido uma boa ideia que a ingenuidade e a precipitação mataram. Essa taxa de implosão é absurda porque, embora a inovação eleve o nível de experimentalismo e o risco de insucesso, ter uma taxa de mortalidade de 90-95% só é compreensível pela forma como o culto e o facilitismo muitas vezes substituem a lucidez estratégica, os sólidos modelos de negócio e as estratégias realistas e conhecedoras para o subsequente crescimento.

O culto começa com a ingénua perceção popular de que as startups são um fenómeno recente. Apenas inventámos um nome recente — “startup” —, mas este conceito existe ao longo da história da Humanidade, com a contínua criação de novas técnicas, novos bens e inovadores serviços, bem como de novas formas disruptivas de os produzir e disseminar.

O grau de eficiência na conceptualização de startups varia no mundo. Alguns ecossistemas locais são muito mais evoluídos. Na Europa, apesar do “Brexit”, Londres continua a ser a cidade líder, muito à frente de Berlim. Os países que lideram o mundo em número de empresas tecnológicas listadas na bolsa do NASDAQ são os Estados Unidos e a China. Surpreendentemente, em terceiro lugar surge um minúsculo país — Israel. A generalidade dos portugueses não tem qualquer noção da eficiência, da sofisticação e da avançadíssima tecnologia do ecossistema de startups em Israel, em particular em Telavive. Enquanto toda a Alemanha tem nove empresas cotadas no NASDAQ, Israel tem 94, mais que o Reino Unido e seis vezes mais que a França.

Em termos locais, Silicon Valley continua a ser o ecossistema mais forte no mundo, mas Pequim e Shanghai projetam-se com uma pujança quase assustadora. Pequim tem seis mil startups, 70 universidades, 280 institutos de investigação científica e imenso dinheiro disponível. Shanghai tem 2500 startups. Shenzhen é o paraíso do planeta para desenvolvimento de hardware revolucionário e de protótipos. Boston é importante. O mundo vibra. Racionalidade, imaginação e visão estratégica são vitais. O culto é um risco.

As cripto-moedas tornaram-se uma moda irresistível com o Bitcoin. A sua sobrevalorização a prazo implodirá parcialmente. Mas será incontornável como uma nova real moeda internacional, por mais que os governos do mundo o detestem. O que a opinião pública em geral ainda não compreendeu é que com a mesma base tecnológica do Bitcoin (blockchain) múltiplas cripto-moedas têm sido criadas, especialmente na matriz do Etherium. Esta via, como financiamento de startups, tem sido quase histérica com a proliferação de ICO’s (oferta inicial de moeda) que em muitos casos é pouco consistente. No entanto, os ICO’s em 2017 excedem já o capital de risco, rondando os 3,6 mil milhões de dólares até final de Novembro. Mas em lugar de atribuição de tokens, os ICO irão evoluir para a subscrição de capital (equity). O crowdsourcing tem igualmente criado alternativas para o financiamento de startups.

O empreendedorismo, a inovação e a criação de startups devem ser orientados em ambientes de profissionalismo, de conhecimento avançado e de grande experiência. Em imensos casos de incubadoras e aceleradoras não é isso que se verifica. O entusiasmo é importante mas não basta. O conhecimento livresco também não chega.

Todavia, estes domínios são extremamente importantes, quer em termos absolutos, quer em termos comparativos num mercado global em que a economia da União Europeia pouco cresce enquanto a maior parte do mundo cresce vibrantemente a velocidades impressionantes.

Por exemplo, os portugueses em geral desconhecem totalmente a força inovadora e de sofisticada competitividade que emerge fortemente na Ásia, continente cuja astronómica população tem uma idade média de apenas 30 anos.

Em suma, eventos como a Web Summit geram entusiasmo mediático que, sendo compreensível, pode indiciar alguma ingenuidade de quem desconhece o que se passa no mundo em escalas muito maiores e com outros graus de eficiência transformadora.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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