Eleições, quinta-feira, 21D: dia E ou dia C?

O desafio é duríssimo para a Espanha, mas é também duro para a União Europeia e até para Portugal. Convém que ninguém se distraia.

1. Na próxima quinta-feira, já depois de amanhã, terão lugar as eleições regionais na Catalunha. Na sequência da tensão gerada pela convocação e realização do “pseudo-referendo” de 1 de Outubro, o Estado espanhol teve de recorrer à aplicação do regime de suspensão da autonomia, resultante do art. 155.º da Constituição. Nesse quadro, foi dissolvido o Parlamento catalão e foram convocadas eleições regionais, o que, atendendo à situação de impasse e de grave incerteza que se tinha atingido, se revelou uma decisão especialmente sensata e prudente. A realização de eleições não garante, todavia, nem de perto nem de longe, que a crise catalã esteja resolvida. Tudo vai depender desde logo do resultado e da correlação de forças que ele traduzir. Como muitos têm sublinhado e como a campanha eleitoral tem largamente comprovado, as eleições serão uma espécie de “plebiscito” ou “referendo” à disposição de independência do eleitorado. Com efeito, por mais diferenças ideológicas que haja entre as várias forças partidárias, o único tema em discussão é precisamente a questão da independência e, por isso, é legítimo agregar os votos em duas grandes correntes: a dos partidos separatistas e a dos partidos não separatistas. Muito embora os restantes espanhóis e os europeus em geral não sejam chamados a votar, estas eleições antolham-se decisivas para o futuro próximo da Catalunha, da Espanha, da Península e da União Europeia. Qualquer que seja o resultado, ele terá consequências políticas, maiores ou menores, sobre o nosso porvir.

2. Os resultados eleitorais que deram origem à correlação de forças subsistente no parlamento agora dissolvido não podiam ser mais ambíguos, propiciando uma situação política escorregadia e pantanosa, propiciadora de equívocos e manipulações, que acabou por favorecer a situação de impasse e bloqueio a que se chegou. Por um lado, havia uma clara maioria absoluta de votos nos partidos não separatistas, o que atestava que, em caso de referendo, a solução da independência não teria hipótese de vencimento. Por outro lado, e por efeito do sistema eleitoral vigente, havia uma maioria absoluta de deputados favoráveis a uma futura independência, o que facilitou a deriva inconstitucional do referendo de 1 de Outubro e, bem assim, a consecutiva declaração de independência. A não correspondência entre o número de votos e o número de mandatos é um efeito do sistema eleitoral adoptado – em particular, do desenho das circunscrições eleitorais –, nada tendo de singular no contexto da generalidade das democracias ocidentais. No caso catalão, há de facto um conjunto de circunscrições eleitorais mais pequenas, normalmente em zonas rurais, em que o número de votos necessário para eleger um deputado é bem menor do que o mesmo número nas grandes circunscrições urbanas (designadamente, em Barcelona). E esses círculos rurais em que se mostra mais fácil eleger deputados votam tradicionalmente nos partidos mais autonomistas (agora separatistas). Eis o que explica aquela “sobre-representação” das forças independentistas que, portanto, só na aparência detinham por detrás de si uma maioria eleitoral (a qual, obviamente, seria sempre de requerer para um processo desta natureza, se ele tivesse – que não tinha – algum respaldo constitucional).

3. Os cenários imagináveis são basicamente três. Um primeiro, mais pacífico e pacificador, seria a obtenção de uma maioria absoluta de votos e de de mandatos pelo bloco de partidos “anti-separatistas” (Ciudadanos, PSC e PP). Representaria uma opção inequívoca pela integração em Espanha, sem prejuízo de poder haver alguma margem para uma futura reforma constitucional ou estatutária que alargue os poderes da Comunidade (como pretende, por exemplo, o PSC). Um cenário deste tipo, com ou sem reforma posterior, implicaria uma derrota da aspiração separatista, com repercussão no curto e médio prazo.

Um segundo cenário, altamente problemático, mas que não pode excluir-se liminarmente, seria o cenário inverso: a obtenção de uma dupla maioria absoluta de votos e de mandatos pelo agregado de partidos separatistas, a saber, a ERC, o Junts per el si e a CUP. Nesta eventualidade, estes partidos iriam invocar a natureza referendária ou quase referendária das eleições para justificarem uma retoma do processo independentista. O repto que se levantaria às autoridades de Madrid seria excruciante. Não havendo nenhuma razão jurídica ou constitucional que, ainda assim, autorizasse a deriva secessionista, passaria a haver uma enorme pressão política para a tentar levar por diante.

O terceiro cenário, decerto o mais provável, é repetir-se a situação política anterior. As forças constitucionalistas terão a maioria dos votos e as forças separatistas a maioria dos mandatos. Ou então, o que também não diminuirá a ambiguidade, nenhum daqueles blocos terá a maioria absoluta dos mandatos e qualquer um deles precisará do apoio dos deputados do En Comú Podem (aliança entre o Podemos, o En Comú da alcaidessa de Barcelona e outras forças de esquerda radical). O Podemos, não apoiando o processo de Outubro, tem defendido um referendo à escocesa, que implicaria uma revisão da Constituição espanhola e que obviamente o coloca numa posição de meio caminho entre constitucionalistas e separatistas. Esta dependência complicaria ainda mais o xadrez político, pois um governo em que estivesse o PP não seria suportado pelo En Comú Podem, que, por sua vez, tentaria uma solução em que estivesse a ERC e o PSC. Ou seja, neste terceiro cenário e com muitas cambiantes não prognosticáveis, a chance de se prolongar um impasse e um bloqueio é enorme.

Na quinta-feira, muita coisa pode mudar, mas mais provavelmente a situação subsistente vai manter-se na sua imprevisibilidade, incerteza, instabilidade. O desafio é duríssimo para a Espanha, mas é também duro para a União Europeia e até para Portugal. Convém que ninguém se distraia.

Sim

Papa Francisco. Celebrou 81 anos, num momento em que a vida internacional se deteriora cada vez mais. A sua voz prega no deserto. É tanto mais necessária quanto mais rara. 

Não

Vieira da Silva. Como ministro, manda a lei que peça a escusa quanto à prática de qualquer acto e se afaste de qualquer inspecção de uma entidade privada a que esteve ligado. Qual é a dúvida?

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