Fisco continua sem prazo para anular penhoras em caso de erro

Tribunal de Contas insiste que a actuação da máquina fiscal nos processos de penhora às vezes atropela os direitos dos contribuintes. Recomendação feita há seis anos continua por cumprir.

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O fisco, liderado por Helena Borges, já recebeu recomendações em 2011 para melhorar o sistema das penhoras Enric Vives-Rubio

Os avisos do Tribunal de Contas (TdC) repetem-se de ano para ano, o problema na administração fiscal persiste e, com ele, as críticas do tribunal. Mesmo com as afinações no sistema informático das penhoras electrónicas e com a nova lei que protege a casa de morada de família nos processos de execução, o fisco continua sem assegurar, para todos, o respeito pela legalidade e os direitos dos contribuintes quando avança com a marcação de penhoras.

A selecção dos bens a penhorar, insiste o TdC no parecer à Conta Geral do Estado de 2016, é feita de forma discricionária, sem que a máquina tributária fundamente a razão de estar a escolher um bem em vez de outro. E há um problema que se arrasta há vários anos: “Persiste por fixar um prazo legal para a redução e o levantamento de penhoras em caso de erro”.

Os procedimentos do fisco voltam a ser alvo de críticas do TdC no parecer que o presidente deste órgão fiscalizador, Vítor Caldeira, entregou ontem em mãos ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

Primeiro, o tribunal critica a falta de fundamentação do fisco; a autoridade tributária responde que a lei não obriga a fundamentar a escolha; o tribunal rebate os argumentos e insiste na sua posição. Para a AT, o que a lei diz é que a penhora recai nos bens com valor de mais fácil realização para satisfazer essa penhora, mais adequados ao valor do crédito e “previsivelmente” suficientes para pagar a dívida.

Os juízes-conselheiros contrapõem, no entanto, que a falta de fundamentação é um incumprimento da lei, “pois, tendo o processo de execução fiscal natureza judicial, a penhora configura um acto materialmente administrativo”. A AT, por sua vez, alega que “o sistema não deixa de assegurar o respeito integral pelas regras de competência, na medida em que aos chefes de Finanças cabe a validação ‘manual’ do cumprimento dos princípios legais vigentes na efectivação das penhoras”. Mas, voltam a dizer os juízes-conselheiros, não é o facto de os chefes de finanças intervirem no processo que dispensa o fisco de “fundamentar, adequadamente, perante os contribuintes, a escolha do bem a penhorar”.

Mea culpa

Esta não é a única falha recorrente. Quando há situações de penhoras indevidas, o fisco demora a anular ou a reduzir os valores cobrados indevidamente. Para resolver o problema, o Tribunal de Contas já recomendava em Outubro de 2011 que o Governo de então promovesse “diligências para fixar um prazo legal para a redução e o levantamento das penhoras”, mas seis anos depois, já com outro Governo em funções, o problema volta a ser apontado pelo tribunal.

A autoridade tributária, liderada por Helena Borges, considera que estabelecer um prazo teria um efeito contrário ao pretendido porque o levantamento poderia acontecer apenas no último dia do prazo legal. Só que, repara por sua vez o TdC, “fixar um prazo curto salvaguardaria os direitos dos contribuintes, mesmo que a redução ou o levantamento da penhora ocorresse” nesse último dia.

Para ressarcir os contribuintes alvo de penhoras indevidas, o fisco entende que já tem em prática uma funcionalidade no sistema informático que permite automatizar o registo dos pedidos de levantamento; e diz que o sistema informático de gestão e aplicação dos créditos permite corrigir os valores indevidos e restituir com celeridade os valores, assim que se detectam as irregularidades. Mas também aqui o TdC lembra que o facto de se implementar o sistema informático “não garante, por si só, a salvaguarda dos direitos dos contribuintes, sendo também necessário um quadro normativo com prazos e sanções em caso de incumprimento”.

O que diz a AT em contraditório? Faz mea culpa em relação ao tempo que demora a devolver os valores, mas justifica-o com os seus próprios ganhos em proceder dessa forma. Segundo o TdC, o fisco reconhece que continuam a ocorrer situações “em que os prazos, sobretudo de restituição de valores irregularmente penhorados, se estendem para além do obviamente desejável, mas tal não invalida, nem pode menorizar, os importantes ganhos de celeridade nesta matéria”.

Contactado pelo PÚBLICO para saber se o Governo prevê alguma alteração no sentido recomendado pelo Tribunal de Contas, o Ministério das Finanças reitera as conclusões apresentadas pelo fisco na resposta ao TdC, referindo por exemplo que as funcionalidades implementadas a partir de 2013 no sistema informático das penhoras e no sistema de gestão de créditos já tiveram em conta as recomendações do Tribunal de Contas, “acautelando os interesses do Estado e a defesa dos direitos dos contribuintes”.

O ministério, embora reconhecendo existir “casos excepcionais” como os descritos pelo TdC, defende que os prazos médios para o levantamento, a redução da penhora ou a restituição dos valores aos contribuintes são “historicamente reduzidos”.

Em 2016, o número das vendas de penhoras marcadas (cerca de 12.300) foi um quarto das que se realizaram em 2015, o que o tribunal diz resultar da lei que em 2016 veio proteger a casa de morada de uma família.

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