Os chimpanzés e as crianças em idade pré-escolar querem ver a justiça ser feita

Uma forma de garantir que há cooperação entre indivíduos é castigar os comportamentos anti-sociais. Agora, os cientistas descobriram que as crianças de seis anos já sentem satisfação ao ver alguém que se portou mal a ser castigado. E os chimpanzés também querem ver a justiça ser feita.

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A forma como a cooperação entre indivíduos surgiu e se mantém é ainda um enigma evolutivo Mark Bodamer

Tanto os humanos como outras espécies animais sentem angústia e preocupação quando vêem uma desgraça ou alguém a ser castigado. Mas os humanos adultos também têm mostrado sentimentos de satisfação quando os castigos aplicados ao outro são percepcionados como merecidos pelas suas más acções. Agora, uma equipa internacional de investigadores – que inclui uma portuguesa – concebeu uma experiência para testar quando é que as crianças começam a querer ver cumpridos os castigos e se o mesmo desejo existe no nosso parente mais próximo, o chimpanzé. Descobriu-se, então, que quer os chimpanzés quer as crianças a partir dos seis anos estão dispostos a sacrifícios individuais em prol da justiça – sobretudo se for possível vê-la ser feita.

“A forma como surge e se mantêm a cooperação nas sociedades permanece um enigma evolutivo. Os castigos aplicados aos membros anti-sociais é sem dúvida um mecanismo-chave para garantir que os níveis de cooperação se mantêm altos entre os humanos, bem como entre outras espécies”, pode ler-se no início do artigo científico, publicado esta segunda-feira na revista Nature Human Behaviour. E é verdade que os chimpanzés, tal como nós, colaboram uns com os outros. Os cientistas defendem que essa capacidade (de perceber que há tarefas que só são feitas a quatro ou mais mãos) terá surgido num antepassado comum a humanos e chimpanzés.

Num estudo de outra equipa, em 2013, investigadores do Centro de Investigação de Primatas da Universidade de Emory (EUA) já tinham concluído que os chimpanzés têm realmente sentido de justiça. O teste utilizado nesse estudo para o aferir foi também aplicado a crianças dos dois aos sete anos e o objectivo era perceber como é que elas e os chimpanzés fariam a distribuição de um prémio. E ambos demonstraram tendência para distribuir o prémio de forma justa (equitativamente entre os participantes). Mas – sabendo então que os chimpanzés também têm, tal como nós, noção de justiça e traços de personalidade, mostrando capacidade de expressar por exemplo depressão, agressão ou carinho – será que, tal como os humanos adultos, mostram interesse em ver outro indivíduo a ser castigado merecidamente?

Para descobrir como é que os chimpanzés e as crianças, dos quatro aos seis anos, percepcionam o castigo e o que sentem sobre a hipótese de ver alguém a ser castigado, os investigadores criaram experiências com 17 chimpanzés e 72 crianças. “Quisemos perceber a nossa história evolutiva. Os humanos vivem em sociedade e cooperamos uns com os outros, mas também sabemos que haverá uma punição [caso não cooperemos]. Não era claro se esta motivação era só humana”, explica ao PÚBLICO a portuguesa Natacha Mendes, primeira autora do artigo científico e investigadora no Instituto Max Planck para as Ciências do Cérebro e da Cognição Humana, em Leipzig, na Alemanha.

Os participantes foram apresentados a outros indivíduos: fantoches de mão, no caso das crianças, e humanos adultos no caso dos chimpanzés. Os fantoches partilharam brinquedos com as crianças e os humanos as suas uvas com os chimpanzés, mostrando-se sociáveis. Mas havia fantoches e humanos que fingiam querer partilhar e depois retiravam a sua oferta, mostrando-se assim anti-sociais. De seguida, um dos indivíduos – o sociável ou o anti-social – recebeu um castigo físico à frente dos participantes. As crianças viram um fantoche a castigar outro com uma régua, enquanto os chimpanzés viram um humano a bater com um pau (de esponja) noutro.

Depois de os participantes observarem por um breve período esses castigos, os indivíduos passaram a ser punidos longe da vista dos participantes (os fantoches ficaram assim escondidos atrás de uma cortina e os humanos foram para outra sala). Se os participantes quisessem testemunhar as punições, tinham de estar dispostos, no caso dos chimpanzés, a efectuar um esforço físico ao abrir uma porta pesada e difícil de operar. Ou, no caso das crianças, de pagar com fichas (que custam dinheiro como as dos carrinhos de choque) para que a cortina subisse – as fichas podiam ser trocadas no final por autocolantes, por isso quanto mais fichas gastassem para ver uma punição menos autocolantes recebiam no final.

Todas as crianças mostraram preferência por brincar com o indivíduo sociável. E quer os chimpanzés quer as crianças de seis anos se mostraram interessadas em gastar mais energia física ou fichas para ver os indivíduos anti-sociais a serem punidos – o que não se verificou com as crianças de quatro e cinco anos.

Além disso, no caso dos chimpanzés, verificou-se ainda que os que mostraram mais angústia (através de vocalizações) ao ver indivíduos sociáveis (que partilharam com eles) a serem castigados, também demonstraram maior interesse em observar os indivíduos anti-sociais (que não quiseram partilhar com eles) a serem punidos. “Ficámos surpreendidos por os chimpanzés apresentarem respostas tão diferentes à punição dos agentes e, nesse sentido, pareciam as crianças de seis anos”, frisa Natacha Mendes. “Na maioria das vezes, vemos crianças ainda mais jovens a ‘superarem’ os chimpanzés, especialmente em termos de habilidades sociais e comportamento. Mas neste caso realmente encontrámos semelhanças, sugerindo o quão profundo pode ser esse desejo de assistir a uma punição merecida.”

Esta descoberta demonstra como a fase dos seis anos de idade é importante para o desenvolvimento emocional e cognitivo do ser humano. E como a motivação pessoal para ver a aplicação de castigos merecidos é partilhada com os chimpanzés. Mais uma vez se prova, contudo, o muito que temos em comum com os nossos parentes mais próximos, bem como o quão ainda temos para descobrir sobre uma espécie já ameaçada de extinção, que, se se perder, será como perdermos um pouco de nós.

Texto editado por Teresa Firmino

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