Trump abre caminho ao azedar das relações com a China

Nova Estratégia de Segurança Nacional define Pequim e Moscovo como "potências rivais" e defende que EUA adoptem postura mais agressiva para as confrontar.

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Xi Jinping e Donald Trump: a boa relação dos Presidentes não é igual à dos países Thomas Peter/REUTERS
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Trump tem elogiado repetidamente Putin, mas a Rússia é considerada uma potência adversária MIKHAIL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLiN/LUSA

É o regresso ao "America First" da campanha de 2016 e a uma retórica que lembra a Guerra Fria. A primeira Estratégia de Segurança Nacional redigida pela Administração de Donald Trump define a China e a Rússia como "potências rivais", apostadas em minar o poderio económico e a segurança dos Estados Unidos.

Os dois países "estão determinados em tornar as economias menos livres e menos justas, em reforçar os seus exércitos, em controlar informação e dados para reprimir as suas sociedades e expandir a sua influência", lê-se no documento que Trump, ao contrário dos seus dois últimos antecessores, fez questão de apresentar pessoalmente.

A rivalidade não é notícia, muito menos o reconhecimento de Pequim e Moscovo como potências adversárias. Mas as palavras são importantes, mais ainda num documento que visa servir como orientador da política e da acção externa norte-americana.

Acusando os dois países de acções de desestabilização — caso das incursões russas na Ucrânia e na Geórgia ou as pretensões territoriais de Pequim sobre o Mar do Sul da China — a "doutrina Trump" defende um corte com a política, central "nas últimas décadas", de que a cooperação próxima e a inclusão de Moscovo e Pequim nos fóruns internacionais "iria transformá-los em actores benignos e em parceiros confiáveis". "Em grande parte esta premissa revelou-se falsa."

A mudança de tom é maior no caso da China, que Barack Obama definiu como um "parceiro estratégico" dos EUA nos grandes desafios do século XXI. Agora, a Administração Trump volta a referir-se à grande potência asiática como um "rival estratégico", numa linguagem que, mais do que concorrência, pressupõe ameaça aos interresses norte-americanos.

No fim-de-semana, o Financial Times noticiou que os EUA se preparavam para acusar o regime chinês de "agressão económica", numa aproximação à retórica usada por Trump na campanha, quando acusava a China de manipulação económica e de práticas comerciais desleais. Com a chegada à Casa Branca, e sobretudo depois de em Abril ter recebido o Presidente chinês na sua residência de Mar-a-Lago, Trump refreou as palavras e procurou em Xi Jinping um aliado para travar o programa nuclear e balístico.

Mas Pequim não travou (ou não conseguiu travar) a escalada bélica de Pyongyang e na visita à Ásia, no mês passado, o Presidente norte-americano deu já sinais de impaciência com o pouco que diz estar a ser feito pela China para reduzir o enorme desequilíbrio comercial entre os dois países.

As acusações a Pequim não são tão directas como o FT antecipou, mas ao rotular a China — a par da Rússia — como uma "potência revisionista", apostada em "minar a ordem internacional", Trump dá o tiro de partida para o que vários observadores temem que venha a ser um período difícil nas relações entre Washington e Pequim. A Estratégia de Segurança Nacional é "uma espécie de Pedra de Roseta que tenta traduzir os temas da campanha num documento de governação coerente", disse ao Washington Post Michael Allen, antigo responsável da Administração de George W. Bush.

A estratégia revelada nesta segunda-feira sublinha que os "EUA vão deixar de fazer vista grossa às violações, à batota, à agressão económica". Considera-se prioritário preservar a "base de inovação da segurança nacional" o que, segundo o NY Times, deve ser lido como parte dos esforços para barrar investimentos chineses em empresas que desenvolvem tecnologia de ponta.

O Governo chinês não reagiu a estes sinais de hostilidade, mas o jornal estatal Global Times escreveu que os EUA "se tornaram os maiores sabotadores das regras de comércio internacional" e avisou que acusar o país de agressão económica iria provocar uma "revolução comercial" de consequências imprevisíveis.

Os jornais norte-americanos notam ainda que o tom deste documento revela uma hostilidade em relação à Rússia que não é visível no discurso do Presidente, que em público continua a duvidar das suspeitas de interferência de Moscovo nas eleições de 2016.

Menos surpreendente é a saída das alterações climáticas da lista de ameaças à segurança nacional, completando a reversão de uma das políticas centrais da Administração Obama, que levou o ex-Presidente a ser um dos impulsionares do acordo de Paris, já abandonado por Trump. Ao invés, o documento sugere que a actual Administração vai opôr-se aos esforços para reduzir os combustíveis fósseis ao prometer "contrariar a agenda energética anti-crescimento".

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