“Não vou falar aqui de 2004, não vou falar disso…”

Na sessão que assinalou os 20 anos da vitória autárquica na Figueira, não faltou a alusão de um deputado às “santanetes”, que o candidato à liderança do PSD tinha fama de arrastar, nem uma surpreendente e magnânima defesa de Cavaco Silva, assumida pelo próprio Santana Lopes.

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Sérgio Azenha
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Foi uma coincidência programada. Em campanha para as eleições directas no PSD, Pedro Santana Lopes visitou na noite desta quinta-feira a Figueira da Foz, quando passavam precisamente 20 anos sobre a sua vitória autárquica no concelho. Não encontrou uma multidão, mas a centena de pessoas que o aguardava no antigo Grande Hotel da Figueira não lhe regateou calor, na noite fria e chuvosa.

A primeira constatação a fazer sobre este regresso ao passado não tem grande sofisticação. Vinte anos depois está tudo 20 anos mais velho. Mas velho, na Figueira, a lusa Deauville das glórias balneares, também é sinónimo de patine. E como o próprio Santana disse aos jornalistas à chegada e repetiu na sala, 20 anos é um período bonito sobre o qual até há uma serie de canções. “Conhecem aquela do Patxi Andion, Veinte años?” A canção não se chama exactamente assim, mas que ninguém veja aqui uma reedição dos “concertos de violino de Chopin”. Santana referia-se a 20 Aniversario-Palabras, que foi mesmo um êxito do cantautor andaluz nos anos 70.

Anteontem, no Grande Hotel, viram-se antigos deputados do PSD que estiveram em executivos liderados por Santana, quer na Câmara da Figueira da Foz, quer no Governo. Era o caso de Rosário Águas, que foi secretária de Estado da Administração Pública em 2004, depois de ter sido já secretária de Estado da Habitação e também da Segurança Social, e de José Pereira da Costa, ex-secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes. Pereira da Costa apresentou-se como testemunha da genuinidade das preocupações sociais de Santana, descrevendo visitas quase clandestinas a pracetas, para ver se estavam instalados as mesas e bancos pedidos pelos idosos.

Também não faltaram antigos presidentes de junta da Figueira da Foz e apoiantes emblemáticos, como Celeste Russa. Na Figueira da Foz, há duas irmãs, antigas varinas e donas de restaurantes rivais, conhecidas por apoiarem partidos diferentes. Rosa Amélia é do PS e Celeste Russa do PSD. Anteontem Celeste não viu, com pena, Santana a jantar no seu restaurante. “Ele é sempre um peixinho grelhado. E uma canjinha, que adora. De franga!”, acrescenta, já a piscar o olho.

Também houve malícia na intervenção do deputado do PSD e actual líder da distrital de Coimbra, Maurício Marques. Elogiou a obra de Santana na Figueira e em Lisboa. Deu o exemplo da ETAR de Alcântara, para resolver o problema da poluição do Tejo, onde outros só “tinham dado mergulhos”… E agradeceu aos deputados e às “deputadas bonitas” que tinham vindo de Lisboa. O salão agitou-se e riu com a alusão às “santanetes”. Maurício terá pensado que se esticara um pouco e dirigiu-se, já em modo de contenção de danos, a um Santana divertido. “Não foi por si, vieram por mim. Não é só o senhor que pode dar um piropo!”

Santana Lopes estava em casa. Defendeu que o país precisa de um impulso como o que deu à Figueira em 1997. Acusou o Governo de desaproveitar a conjuntura favorável e lembrou que foi o Presidente da República a dizer, no início do ano, que o país tinha condições para crescer 3%.

Os oradores que precederam Santana referiram várias vezes que aquilo de que o país e o PSD precisavam não era de “uma folha de Excel” — uma perífrase para designar Rui Rio, o outro candidato à liderança do PSD. Santana disse não ter “nada contra a folha de Excel”, admitiu que há alturas em que “pode ser indispensável”, mas avisou que o país “tem tido homens-tesoura em excesso”.

Preconizou uma “política fiscal arrojada”, que faça com que holdings portuguesas não instalem a sede na Holanda, e a promoção da produtividade, ainda a 70% da média europeia. E acusou o Governo de ter feito um Orçamento sem apoios às empresas e de olhar para o Plano Juncker com preconceito de esquerda, por causa dos apelos à mobilização de investimentos privados.

Santana Lopes insistiu que urge equillibrar territorialmente o país. E aludiu à deslocalização de secretarias de Estado que promoveu, há 13 anos, numa altura em que o país discute a transferência do Infarmed para o Porto anunciada pelo executivo de António Costa. “Em 2004, não achava que era por mudar uma secretaria de Estado que ia resolver o equilíbrio do país. Com certeza que não, era um sinal. Não tinha na altura força política para fazer mais”.

Santana olha para a maioria de esquerda que apoia o Governo do PS e conclui que o PSD precisa de estar pronto para o que der e vier o mais depressa possível. “Esta maioria está-se a degradar. O PCP já não volta a estar como estava. O Bloco e o PS é o que se vê, ofensas recíprocas constantemente (…). O que não seria se fosse com uma coligação nossa, se o partido que estivesse connosco numa coligação nos viesse acusar de cedermos aos grandes interesses económicos, em pleno Parlamento viesse dizer que nós não honrávamos a palavra dada… Havia logo um coro a pedir eleições, a dizer que estava em causa a estabilidade.” “É uma maioria que se zanga, que se afasta, que nem se rejubila em conjunto quando é eleito o ministro das Finanças do Governo que apoia para presidente do Eurogrupo. (…) Se fosse Maria Luís Albuquerque ou um ministro das Finanças nosso a ser eleito para o Eurogrupo, diziam logo que nos tínhamos vendido aos poderosos da Europa”, comparou.

A sala aplaudia e Santana embalava. Queixava-se que o PSD não tem os favores da opinião publicada e apelava ao cerrar de fileiras. “Não nos impressionemos com isso. O nosso caminho é em frente, é trabalhar, trabalhar. O partido vai entrar numa fase de grande mobilização que só vai acabar quando voltarmos a encher a Alameda Afonso Henriques, em Lisboa, nas vésperas das próximas legislativas para as voltar a vencer e ganhar à frente de esquerda.”

Não deixou de se referir ao escândalo da Raríssimas, para explicar que, “por muito que as notícias sejam impressivas”, prefere fazer o mesmo que fez em relação à tragédia dos incêndios: esperar pelos relatórios e pela confirmação de responsabilidades. “Quando os vi concluídos, para mim foi claro. A ministra da Administração Interna tinha de sair, porque tinha responsabilidades, pelo menos ela”.

E aproveitou a demissão do secretário de Estado Manuel Delgado, na sequência do caso Raríssimas, para fazer nova comparação. “Vejam o que seria se fosse um Governo nosso, em que saíssem 14 membros em dois anos. Mas como são eles, as coisas continuam...”

Para o caso de alguém se ter posto a pensar em intervenções presidenciais, passadas ou futuras, o candidato esclareceu a sua posição, que incluiu uma defesa de Cavaco Silva, que se chegou a referir a Santana como “má moeda”: “Enquanto líder do partido, não exigirei que o Presidente da República hostilize o Governo, se demarque dele, que entre em divergência institucional, ao contrário do que fez o PS com Cavaco Silva, quando era solidário com o Governo de Pedro Passos Coelho. O PS acusava Cavaco Silva de colaboracionismo impróprio de um Presidente da República. O PS teve sempre duas atitudes: uma no poder, outra na oposição. Nós, graças a Deus, procuramos ser coerentes: no Governo respeitávamos a posição de Cavaco Silva; e na oposição não criticamos Marcelo Rebelo de Sousa. Fizemos uma ou outra chamada de atenção numa altura de euforia excessiva no relacionamento institucional”, ressalvou, pondo a sala a rir.

Para o candidato à liderança do PSD, Marcelo, com o estilo dos afectos, mudou o cenário político para o qual o partido terá de escolher o protagonista adequado. “Vai ter de ser um líder que seja capaz de estar próximo das pessoas. (…) Temos um Presidente que está muito junto da população, temos um primeiro-ministro que, enfim — de quem há tempos se dizia que ia a caminho da maioria absoluta e agora já ninguém diz — mas que tem um grande espaço comunicacional. Não está muito próximo das pessoas, mas chega até lá, porque o seu sector tem grande simpatia na opinião publicada. E teremos que ter uma liderança com capacidade política para fazer esta disputa no terreno”.

A forma como acabou o Governo que liderou, de Julho de 2004 a Fevereiro de 2005, com o Presidente Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia da República e a convocar eleições, por considerar que “incidentes e declarações, contradições e descoordenações” estavam a contribuir para o “desprestígio do Governo, dos seus membros e instituições”, é um handicap de Santana Lopes, constantemente confrontado com as “trapalhadas”, na expressão usada esta semana por Rui Rio, desse executivo. Santana Lopes abordou, não abordando, a questão: “Não vou falar aqui de 2004, não vou falar disso. Quando ganhar as eleições de 13 de Janeiro como espero, o país vai virar essas observações, esses reparos ao contrário. Vai dizer: ‘Como é que foi possível, com tanta coisa que diziam, o PSD serenamente, sem se impressionar com as vozes do exterior, fazer esta escolha?’”

Santana acredita que, desta vez, triunfará como primeiro-ministro. “Eu, por mim, estou determinado, cheio de força, cheio de entusiasmo. Faz bem vir à Figueira renovar energias nesta praia da Claridade, embora seja de noite”, galvaniza-se.

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