Caminho entre o PEV e o Governo “tem tido algumas pedras”

A demora na revisão da convenção de Albufeira é um exemplo da tentação do Governo de “adiar” medidas e de se “encolher”, diz Heloísa Apolónia. A deputada ecologista não se sente condicionada pelo PCP sobre um possível acordo com o PS em 2019.

Foto
Nuno Ferreira Santos

Tal como o BE, o Partido Ecologista Os Verdes já sentiu o dissabor de ver o Governo apresentar propostas contrárias ao acordo assinado em 2015 – na TSU, na sobretaxa do IRS. São “pedras” num caminho que tem meta em 2019. Antecipar cenários posteriores é “pôr o carro à frente dos bois”, avisa Heloísa Apolónia, que falou ao PÚBLICO no dia em que o partido comemorou 35 anos.

António Costa disse no debate quinzenal que o plano das barragens seria reavaliado. O que pensa o PEV?
Isso entra totalmente em contradição com o que o ministro do Ambiente disse na comissão parlamentar, em que assegurou aos Verdes que não haverá, nesta legislatura, decisão para a construção de novas barragens.

Mas concorda com o aumento da capacidade das existentes?
O que temos que fazer é potenciar a resposta que as barragens actuais podem dar. Não temos necessidade de construir mais e somos liminarmente contra, por exemplo, a construção no Alto Tâmega. Uma questão que deve entrar neste debate da componente energética e do armazenamento da água é o que o país deve fazer ao nível da poupança e da eficiência – e pode fazer muito.

Almaraz é outra pedra no sapato entre PEV e Governo?
O Governo devia ter sido muito mais pró-activo e veemente na defesa dos interesses do país, dizendo com toda frontalidade em Espanha que era favorável ao encerramento da central nuclear de Almaraz. Ela está perspectivada para 2020, mas com a possibilidade de prolongamento. É uma verdadeira bomba-relógio e o Governo encolheu-se muito perante Espanha nessa matéria.

E como está a revisão da convenção de Albufeira?
Lá está o encolher... Já devia ter avançado. O Governo diz que a questão tem estado na agenda do diálogo com Espanha. Ora, estar na agenda não é suficiente, porque não resolve a questão dos caudais ecológicos nos nossos rios internacionais. O que é preciso é uma revisão da convenção para haver medição dos caudais diários, em vez de uma convenção desenhada de acordo com os interesses das hidroeléctricas, como está agora.

O Governo tem somado casos no último ano (Legionella, Infarmed, Tancos, incêndios). Qual o mais complicado?
Os incêndios foram um drama absoluto. O PEV ajudou a dar respostas céleres na reforma da floresta (embora não gostemos muito desse nome), alterando o regime de arborização para estancar manchas imensas de eucalipto. Não foi fácil, sentiu-se a força da pressão das celuloses sobre o Governo.

Houve exigências de contrapartidas do PS?
A questão estava na nossa posição política conjunta (PPC). Mas, muitas vezes, quando o Governo tem uma perspectiva diferente do que está expresso na PPC, procura adiar que se concretize. Isso aconteceu no eucalipto, procurou adiar. O regime do eucalipto não ficou exactamente como queríamos, mas isso faz parte das negociações.

A atitude é chutar para a frente?
É o que acho que procuraram fazer na questão do eucalipto e que estão a fazer sobre a convenção de Albufeira. E outras vezes houve mesmo uma tentação de não respeitar a PPC quando era muito clara nessas matérias, por exemplo, sobre a TSU ou quando propunham o fim da sobretaxa em 2018 e não em 2017.

Sentiu que o acordo ficou em risco? Num debate mandou António Costa reler o documento que assinaram…
Isto é uma gestão diária e as negociações com o Governo não se resumem ao que ali está, mal seria... Mas o texto acaba por ser uma segurança sobre várias matérias, de uma palavra que foi dada e que por estar ali inscrita não poderá resvalar para o oposto.

Aquilo que o PEV, o PCP e o BE não conseguem mudar nas políticas do PS são um mal menor comparado com ter a direita no poder?
Não é um mal menor. Era preciso dar uma resposta urgente ao país e houve condições para isso. Mas o PS acaba por ser submisso aos constrangimentos muito fortes da UE e zona euro e isso impede-nos de ir mais longe. Não somos a favor da desregulação das contas públicas. Para acudir aos incêndios no OE2019 aumentou-se o limite do défice em 0,1% e não faria diferença nenhuma se o défice fosse de 1,5% ou 2%.

No défice o PS está a seguir a filosofia da direita de ir além de Bruxelas?
O PS acaba por não se desvincular do que podemos considerar alguma obsessão pelo défice ou alguma subserviência. E isso é não conseguir descolar do constrangimento que nos ata de pés e mãos.

Voltando aos casos: qual foi o mais mal gerido?
Não consigo  avaliar dessa forma. Temos é que ser realistas ao ponto de perceber que houve um conjunto de casos e situações que não tiveram resposta suficiente e que devem preocupar os portugueses. Tancos é nitidamente uma delas. Foi uma situação profundamente confusa, até para o próprio Governo.

Também acha que o ministro não tem que guardar paióis? Há uma tendência de o primeiro-ministro se desresponsabilizar?
Deve assegurar que alguém guarda. Não gosto de olhar para a acção dos ministros separada da do primeiro-ministro. O Governo deve ser visto como um todo e assume todo a sua responsabilidade.

A direita tem falado numa comissão de inquérito para Tancos.
É fundamental apurar todos os factos, já o dissemos. Se é por uma comissão de inquérito… Teremos que analisar a proposta.

O caso do chumbo da taxa das renováveis do Bloco pode ser um problema para as relações à esquerda?
Sobre as relações entre BE e PS são eles a responder.

Este aprova-reprova do PS deixou-lhe dúvidas sobre a actuação do Governo com os parceiros?
Não foi uma situação agradável, como é evidente, perceber que há um partido que vota uma coisa num dia e no dia seguinte volta atrás na sua palavra… As negociações e diálogos são feitos bilateralmente. Não sei o que conversaram, sei o que foi tornado público. E que o PS assumiu que tinha recuado. Também já fui confrontada com tentações do Governo de não respeito pela posição conjunta, portanto... (risos).

Abriu-se um precedente. Confia ou não plenamente no PS?
Os Verdes não podem ficar condicionados por essa questão. Tivemos o nosso exemplo da redução da TSU para as entidades patronais: também houve uma palavra dada na posição conjunta e uma medida contrária apresentada pelo Governo que a AR chumbou. O Governo nunca nos recusou qualquer reunião, sempre esteve aberto ao diálogo, mas pelo caminho tem havido algumas pedras e esta da TSU é uma delas. Tem que haver uma grande seriedade de todas as partes para que haja confiança e um desenrolar profícuo do trabalho.

Continua a confiar a 100% então?
Não é uma questão de confiar a 100%, mas de considerar que deve haver lealdade de todas as partes e estamos dispostos ao diálogo e a encontrar o máximo de medidas que beneficiem os portugueses até ao final da legislatura. Agora não me vai perguntar quando é o final da legislatura… (risos)

Tem noção de que nem tudo da PPC vai ser cumprido?
Há coisas que estão lá não como uma medida que tem que ser tomada mas como uma garantia de que não há uma regressão e não se farão algumas asneiras, como encerrar serviços públicos ou privatização de empresas.

Ficou satisfeita com as medidas que aprovou no OE2018?
Queríamos mais, evidentemente.

O OE2019 vai ser o mais difícil?
Os outros não foram fáceis, o de 2019 tem que continuar a dar sequência aos anteriores nas reposições de direitos.

Há espaço para uma outra PPC em Outubro de 2019?
É uma questão que não está colocada. Não devemos pôr o carro à frente dos bois. Não podemos estar em 2018 a dizer 'vamos ou não construir em 2019'. Temos trabalho a fazer até ao final da legislatura, não devemos antecipar cenários futuros.

Uma posição do PCP contra um novo acordo em 2019 condiciona a do PEV?
Em 2015 as negociações foram num quadro em que havia predisposição das quatro forças para encontrar esta solução, mas as negociações do PEV foram bilaterais com o PS, nunca com o PCP. Nesse sentido não há condicionamento.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários