Um pote onde cabe todo o interior

Vanessa Melo pegou nos 164 municípios de baixa densidade do país para recolher os produtos regionais que lhe traziam a infância à memória. O Pote da Gula é um projecto solidário que quer diminuir as desigualdades entre o interior e o litoral. Já comprou todas as prendas de Natal?

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A ideia feita de que ninguém valoriza o interior e as regiões de baixa densidade pode dar frutos e ajudar a criar um novo negócio, precisamente para contrariar este pensamento quase clássico de que “o interior está a desaparecer”. Vanessa Melo recuperou a memória da aldeia de Mogege, Vila Nova de Famalicão, para lançar o Pote da Gula, com o objectivo de dar um “contributo”, como diz, a “estas gentes que nos metem dentro de casa”.

O salpicão de Arcos de Valdevez, o queijo de ovelha amanteigado de Fornos de Algodres e um azeite biológico de Celorico da Beira. Pode encontrar estes produtos — regionais e de pequenos produtores, uma característica do projecto — num dos potes criados especificamente para o Natal. Encaixados em cestos de vime (os tais potes), os produtos são uma forma de Vanessa Melo usar a sua vertente criativa, de certa forma aprisionada no seu trabalho diário como advogada.

“Embora a minha profissão seja bastante cansativa e desgastante, queria criar uma coisa que gostasse de fazer”, diz. Mas não se fica por aqui: “Queria que trouxesse algo ao país e que conseguisse contribuir para o seu desenvolvimento.” Daí até pegar na lista de 164 municípios de baixa densidade foi um pequeno passo. Definir produtos, contactar produtores e lançar a loja online.

De volta a Mogege, havia uma quinta, vacas e horta. Tudo terreno fértil para Vanessa Melo se relembrar da infância e do que a levou a criar o Pote da Gula, sem nunca esquecer a vontade de voltar a um espaço rural, que deixou para viver no Porto.  A paixão, como a própria descreve, pelo negócio que criou surge destes anos passados entre a terra e as ruas pouco movimentadas — e pelas mãos da bisavó, que lhe incutiu esse gosto pelos produtos regionais.

A “desigualdade muito grande” que constata entre as várias regiões espoletou essa procura pelo gin de Reguengos de Monsaraz ou pelo pesto de urtigas de Manteigas. Apesar de a loja online ser o principal ponto de distribuição, o Pote da Gula instala-se, durante este Natal, no MaiaShopping , aproximando-se dos clientes. Apesar de tudo, como explica à Fugas, não é normal conhecermos os próprios produtos portugueses. “Ainda no outro dia, na loja, uma pessoa ficou espantada por saber que existiam azeitonas com recheio de chocolate”, conta.

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Na loja online pode encontrar potes para todos os gostos, além de poder criar o seu próprio pote, escolhendo o cesto de vime que mais lhe agrada. Mas, e porque estamos em época natalícia, Vanessa também dá asas à criatividade que a levou a montar este projecto e oferece outras opções aos consumidores com os potes de Natal. Pode receber chouriço de javali da Penha Garcia, geleia picante de Proença-a-Nova ou figos pingo de mel com origem em Estremoz. Os potes são criados a pensar na época, como descreve Vanessa, que já promete potes para o Dia dos Namorados, para a Páscoa ou para o Dia da Mãe. E com cestos de vime a condizer.

A advogada, que se tornou especialista gastronómica em part-time, não esconde que o principal público destes produtos está fora do país. “O nosso intuito era levar os produtos ao estrangeiro, porque são conhecidos mundialmente e podemos oferecer um pote com um pouco da nossa gastronomia”, afirma. Vanessa Melo acrescenta ainda que os “potes de memória”, como apelida aos seus cestos de vime, são uma forma de exportar mais um produto da nossa praça. “Nós comemos os produtos, mas depois ficamos com o cesto e podemos usá-lo. Assim vamos lembrar-nos sempre do pote.”

Se há algo que também ficou na memória de Vanessa foram os incêndios de Pedrógão Grande, que deflagraram pouco depois do lançamento do Pote da Gula. Foi aí que decidiu dar uma ajuda à região e lançar um projecto dentro deste projecto. Em todos os potes vendidos, um euro reverte para uma associação ou instituição que Vanessa escolhe a cada seis meses. Até 18 de Março de 2018, a Cercicaper, de Castanheira de Pêra, é a instituição escolhida, em virtude dos incêndios que chegaram ao município. O acto de solidariedade é ponto assente no Pote da Gula, até porque, diz, “isto não pode ser só um negócio pelo dinheiro”.

A loja tem menos de dois meses (a marca foi lançada em Julho), mas a fundadora já começa a desenhar o futuro e as ramificações da empresa. Quer apostar no turismo rural, um sonho de infância, criar uma loja física na Baixa do Porto e continuar a atrair estrangeiros que procuram o que de mais regional existe no país.

Este é o futuro para Vanessa Melo, quando as filhas forem mais crescidas, e puderem ter as “cinco cabras” para produzir o requeijão que for servido ao pequeno-almoço. Até porque, para a mulher de Mogege, o Pote da Gula não se esgota aqui.

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