Queen Victoria: o importante é a viagem, não o destino

Apanhar um navio em Lisboa e navegar até Southampton sem paragens pelo meio. Não será para todos, mas os atractivos existem: boa comida, entretenimento garantido, actividades variadas e a oportunidade de passear as roupas mais requintadas que guarda no armário.

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Adriano Miranda
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Tem que se estar preparado. Vai embarcar num cruzeiro, vai passar três noites e quase três dias a navegar, sem parar em lado algum, e há regulamentos a seguir, como o tipo de roupa que se espera que vista depois das 18h, quando todo o navio parece transformar-se numa passarela. Por isso, há que estar preparado. Mas só se vai aborrecer se quiser, porque a agenda diária de actividades de um navio como o Queen Victoria, da Cunard, é longa e variada. E não fazer seja o que for também pode ser uma opção tão boa como outra qualquer.

Lisboa está cheia de sol e, apesar de o tempo já ter arrefecido, na piscina exterior do Queen Victoria ainda parece Verão. O calor concentra-se ali e enquanto a viagem não começa alguns passageiros aproveitam para um mergulho ou, simplesmente, para preguiçar estendidos ao sol. É como se alguém os tivesse avisado de que era a última oportunidade para tentar ganhar alguma cor, porque assim que o Queen Victoria se começa a afastar da capital portuguesa ninguém tem mais vontade de entrar na piscina. E o sol só há-de aparecer meio escondido por nuvens, e sempre acompanhado por um vento gelado, que despenteia o cabelo e só dá vontade de aconchegar um pouco mais o cachecol em torno do pescoço. A próxima paragem é Southampton, na Inglaterra, onde irão desembarcar quase todos os passageiros, apesar de a viagem continuar ainda até à Holanda. Sem sinais de melhoria do tempo.

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Ainda assim, o convés do piso 3, o único onde é possível dar a volta ao barco pelo exterior (duas voltas são um quilómetro, três voltas uma milha, avisa-se em anúncios afixados ao longo do percurso), é um vaivém constante de quem quer fazer um pouco de exercício ao ar livre. E ele é necessário, quando se passam dias num espaço confinado, como não deixa de ser um navio — por muito grande que ele seja. O Queen Victoria, não sendo o maior dos navios da companhia, tem uma capacidade para quase duas mil pessoas, pelo que é muito normal que aquele bebé que está a roubar sorrisos no almoço do último dia completo de viagem só agora se cruze connosco. Andamos por caminhos diferentes nos outros dias.

O que, provavelmente, aconteceu com grande parte dos passageiros, ainda que haja pontos de cruzamento quase obrigatórios. O grande restaurante buffet Lido, o teatro com reposteiros, estofos e decoração em tons de vermelho e rosa, o Salão da Rainha na hora do chá e nos bailes nocturnos.

Comecemos por aqui, pelo Salão da Rainha. No primeiro dia a bordo, durante a visita guiada que pretende desbravar os principais caminhos e espaços desta cidade ambulante, avisam-nos que o chá por ali, entre as 15h30 e as 16h30, é uma experiência que não se deve perder. Quando lá passamos já o processo está praticamente terminado, mas fica mentalmente agendado que é preciso voltar no dia seguinte.

Chega-se cedo, para não se correr o risco de não ter mesa. Há sempre um pequeno espectáculo a acompanhar a hora do chá e um dos momentos a que vale a pena estar atento é aquele em que tudo começa. Às 15h30 em ponto, numa sincronia perfeita, soam os primeiros acordes e os funcionários responsáveis por distribuir as diversas iguarias pelos passageiros presentes começam a servir pequenos triângulos de pão com os mais diversos recheios salgados, miniaturas de doces variados e chá que mal tem tempo de desaparecer da chávena antes de ser substituído por mais uma dose. Os scones são a última iguaria a chegar à mesa, durante esta hora de verdadeiro bailado gastronómico que vale mesmo a pena experimentar. E repetir no dia seguinte.

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A verdade é que se passa muito tempo a comer num cruzeiro. Por isso, se vai ser assim, que seja no Queen Victoria, onde a comida é saborosa e a hora de jantar pede mesmo tempo para degustar com calma todas as delícias propostas nos menus. Depois, o melhor é procurar o baile mais próximo e gastar parte das calorias a dançar. Não há desculpas para não o fazer — entre as muitas actividades criadas para os passageiros estão aulas de dança, pelo que se embarcar numa viagem mais longa é bem provável que saia do barco a saber, pelo menos, dar uns passos de tango, mambo, jive ou disco.

Para que não se perca no tanto que há para fazer, todos os dias é colocado no camarote de cada passageiro um mapa das actividades do dia seguinte, bem como o código de vestuário que deve seguir. Informal não significa que vá jantar de calções e chinelos — a partir das 18h, nos vários átrios e restaurantes remodelados nos meses de Maio e Junho, só se vêem pessoas aperaltadas para a noite. E, se estiver perante uma noite formal, prepare-se para isso mesmo: homens de fato completo, mulheres de vestido comprido, sedas e lantejoulas. A única coisa a fazer, e já que estamos em pleno oceano, é seguir com a onda: aprecie a passarela em que se transformam os corredores do navio e, já agora, aproveite para desfilar também.

Durante o dia há aulas de pintura, torneios de blackjack, concursos de jogos de tabuleiro, puzzles para construir, palestras, cinema e muitas pessoas sentadas nos sofás e cadeirões confortáveis espalhados pelo navio agarrados a um dos livros emprestados pela bela biblioteca que ocupa um pequeno espaço central nas cobertas 2 e 3. À noite, o casino, os bailes do Salão da Rainha ou o teatro ocupam o tempo de grande parte dos passageiros. Neste último, os espectáculos musicais, de dança ou de comédia podem pô-lo a ouvir uma recriação dos Beatles ou a baloiçar o pé ao ritmo de (I can’t get no) Satisfaction, dos Rolling Stones, enquanto tenta ignorar que o Queen Victoria continua a balançar um pouco mais do que aquilo que gostaria.

Sim, porque um navio, mesmo com estas dimensões, não é como um prédio fortemente ancorado em terra. Se o mar estiver agitado (como aconteceu), ele vai balouçar. Previna-se e, se não levou comprimidos para o enjoo, use a medicação que dizem ser usada pela tripulação: coma uma maçã verde. Depois, tente dormir. No Queen Victoria a comida é excelente e as camas muito confortáveis. Feche os olhos e descanse, porque amanhã terá mais uma lista de coisas com que se entreter, enquanto não volta a pôr os pés em terra.

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Remodelada, a rainha saiu do Mediterrâneo

O navio Queen Victoria, uma das três rainhas da companhia de cruzeiros Cunard — as outras são o Queen Mary 2 e o Queen Elizabeth — foi remodelado em Maio e Junho. As mudanças recaíram sobre parte dos camarotes, e muitos dos espaços comuns, incluindo restaurantes e bares. Agora, pronto para navegar, o navio vai deixar, em 2018, os seus habituais percursos no Mediterrâneo e aventurar-se para Norte: em Agosto do próximo ano vai andar pelos fiordes noruegueses, bem como os restantes navios de cruzeiro da Cunard.

As opções oferecidas pela companhia que, em 1840, se tornou na primeira a fazer uma viagem transatlântica para passageiros, são muitas e incluem, para os mais apaixonados por este tipo de oferta, algumas voltas ao mundo lá mais para 2019, quando se comemoram os 500 anos do início da viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães.

Se optar por fazer uma viagem num destes navios, prepare-se para encontrar muitos britânicos a bordo (a companhia é inglesa) e, sim, também a comprovação do cliché de que há muitos idosos a fazer cruzeiros. Lembre-se que tem que levar um cartão de crédito (ele será obrigatoriamente registado quando embarcar) e, quando fizer as contas aos custos, não caia no erro de olhar apenas para o valor do cruzeiro que lhe é vendido. As bebidas alcoólicas são pagas à parte, há uma taxa diária de gratificações, o acesso à Internet é pago a peso de ouro e qualquer extravagância não lhe vai sair barata — o “especial” do spa do navio, deixado à porta dos camarotes, oferecia massagens de 50 minutos, por “apenas” 99 dólares.

Dito isto, há muitas coisas incluídas no preço do cruzeiro de que pode usufruir. Todo o interior do navio, com uma decoração que nos transporta para a primeira metade do século passado, ajuda a que a experiência seja, verdadeiramente, fora do habitual. Está no meio do oceano, o mundo real deixou de existir, pelo menos até ao próximo porto. Aproveite e deixe-se levar pelo ritmo próprio do cruzeiro que escolheu. A propósito, a próxima viagem do Queen Victoria é entre Southampton e Miami e os preços começam nos 987 euros.

A Fugas viajou a convite da Cunard

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