Banco de Portugal: bem-vindos de volta à terra

A situação do crédito não está ainda ao nível do que assistimos no passado e até há quem possa defender que o Banco de Portugal esteja a compensar o que não fez no passado. Antes assim. Bem-vindos de volta à terra.

Na década de 1990 e na primeira década do século XXI não parecia causar estranheza os anúncios agressivos da banca na concessão de crédito. A economia crescia, nalguns anos acima dos 3%, o desemprego era baixo e as taxas de juro, igualmente baixas, faziam explodir o crédito ao consumo e à habitação. Os bancos aproveitavam, promovia-se o consumo de forma desenfreada, mesmo na banca pública. O poder político, mas particularmente o Banco de Portugal, assobiavam para o lado.

Passados muitos anos e um fortíssimo programa de ajustamento da economia, Portugal volta a apresentar uma situação macroeconómica mais desafogada. A acreditar nas projecções divulgadas ontem pelo Banco de Portugal, vamos registar um período de sete anos com crescimento económico, o que já não acontecia desde a década de 90, o desemprego voltará a níveis mais próximos do seu valor natural e ainda temos um enorme brinde: este crescimento acontece sem défice externo.

O que faz a banca? Aproveita. Promove o crédito. E fá-lo de forma cada vez mais agressiva, quer seja no consumo, quer seja na habitação. Não parece ter aprendido nada com o passado.

Felizmente, o Banco de Portugal, tantas vezes criticado justamente por ser demasiado passivo, parece ter hoje uma posição mais activa.

Não foram precisas sequer duas semanas para que a instituição liderada por Carlos Costa viesse a público alertar para os exageros que se começam a cometer. Primeiro, no início do mês, quando apresentou o relatório de Estabilidade Financeira: a descida dos spreads no crédito à habitação, os prazos dos empréstimos cada vez mais longos, camuflando as taxas de esforço das famílias, foram só algumas das preocupações manifestadas pelo Banco de Portugal, levando-o mesmo a ameaçar os bancos com medidas sobre a banca de forma a reforçar a avaliação que é feita pelas instituições de crédito sobre a capacidade financeira das famílias.

Ontem, o alerta veio no Boletim Económico. O banco simulou o efeito que tem no rendimento das famílias uma subida dos juros que, sabemos hoje, é inevitável, resta saber quando. E os resultados mostram o porquê das preocupações. Basta uma subida de um ponto percentual para que as famílias com crédito à habitação percam 2% do seu rendimento, em termos médios, mas há casos em que essa perda pode chegar aos 4,4%.

A situação do crédito não está ainda ao nível do que assistimos no passado e até há quem possa defender que o Banco de Portugal esteja a compensar o que não fez no passado. Antes assim. Bem-vindos de volta à terra.

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