O apartamento que (não) pertencia a Lula da Silva

Foi Lula da Silva que actuou fora da lei ou foi Sérgio Moro quem a menosprezou?

Dentro de pouco mais de um mês, será julgado o recurso que Lula da Silva apresentou da sentença que o condenou na pena de nove anos e seis meses de prisão pela prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Se para o juiz Sérgio Moro a condenação não teve muitas dúvidas face à prova existente, para a defesa do ex-Presidente, a condenação não tem fundamento e Lula da Silva deve, agora, ser absolvido.

Para a acusação, Lula recebeu um apartamento tríplex no Guarujá, em São Paulo, em troca da promoção dos interesses da empreiteira Construtora OAS, que fazia parte do esquema de corrupção montado na Petrobrás em que os contemplados com obras desta gigantesca empresa estatal pagavam luvas para os altos funcionários da mesma bem como para os partidos políticos, em concreto, para o Partido dos Trabalhadores de Lula. É certo que o apartamento, em termos do registo predial, nunca passara para o nome de Lula, mas a prova documental e testemunhal recolhida não deixavam dúvidas que o apartamento lhe pertencia de facto. Em particular, tinham sido realizadas pela OAS numerosas obras no apartamento tríplex — colocação de um elevador, instalação de uma churrasqueira, ampliação de um deck, demolição de um quarto — para satisfazer as necessidade de Lula e da mulher que, aliás, tinham visitado o apartamento e que se comportaram como proprietários de facto.

Na versão da defesa, o apartamento em causa nunca pertenceu a Lula da Silva, sendo propriedade da Construtora OAS e tendo, de resto, sido apreendido na massa falida desta empresa. Os depoimentos das testemunhas que, ao abrigo de acordos de delação premiada, comprometiam o ex-Presidente nenhum valor podiam ter e, na verdade, Lula limitara-se a visitar o apartamento porque a mulher tinha assinado um contrato-promessa de um apartamento mais pequeno no mesmo empreendimento, tendo pago parte do preço e tinham, em determinada altura, admitido a possibilidade de o trocarem por um maior pagando a diferença.

No entanto, o juiz Sérgio Moro não aderiu à tese da defesa e considerou, por exemplo, que caso a situação do ex-Presidente brasileiro e da mulher em relação ao apartamento triplex fosse a de potenciais compradores, seria natural que tivessem tido alguma discussão sobre o preço do apartamento, bem como sobre o valor gasto nas obras, já que, numa compra normal, seriam eles a suportar esses custos, descontando apenas o já pago anteriormente. E tais conversas sobre custos nunca tinham existido. Havia, por outro lado, ampla documentação que comprovava a realização das obras, notoriamente para um comprador concreto, com um custo superior a 250 mil euros, o que não sucedera com nenhum outro apartamento. Mais: o tríplex em causa nunca tinha sido colocado à venda, sendo certo que o andar que a mulher de Lula tinha prometido comprar fora vendido a terceiros pela empreiteira que nunca devolvera à mulher de Lula a parte do preço que esta já tinha pago.

O depoimento das testemunhas — de defesa e de acusação — não fora num só sentido: havia as que afirmavam que o apartamento era de Lula, as que afirmavam o contrário e as que nada sabiam. Sérgio Moro reconheceu que os depoimentos de dois altos quadros da OAS, que comprometiam de forma incontornável o ex-Presidente, eram “questionáveis, pois são eles criminosos confessos que resolveram colaborar a fim de colher benefícios de redução de pena”. Mas isso não significava que os seus depoimentos não pudessem ser verdadeiros. E, para Moro, eram “intrinsecamente coerentes” e “convergentes com a prova documental produzida nos autos”, o que não acontecia com os “álibis contraditórios” de Lula.

No fim da sentença condenatória, Sérgio Moro cita a célebre frase do historiador britânico Thomas Fuller: "Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você" (uma adaptação livre de "Be you never so high, the law is above you"). Em Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região irá, assim, responder à seguinte questão: foi justo considerar como proprietário de um apartamento quem nunca o comprou nem o tem registado em seu nome? E, em consequência, foi Lula da Silva que actuou fora da lei ou foi Sérgio Moro quem a menosprezou?

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