Um terço dos hospitais sem plano para prescrição de antibióticos

Prevalência de infecções hospitalares baixou de 10,5% para 7,8%. Resultado deixa responsável por programa da Direcção-Geral da Saúde muito satisfeita. Médica admite, porém, que ainda há “muito trabalho” a fazer.

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MARIA JOAO GALA

Cerca de um terço dos hospitais públicos e 85,7% dos agrupamentos de centros de saúde não dispõem ainda de programas de apoio à prescrição de antibióticos, obrigação instituída por despacho desde 2013, numa altura em que a resistência aos antimicrobianos e as infecções hospitalares são um reconhecido problema de saúde pública.

Uma auditoria recente revelou que a situação melhorou substancialmente desde 2013 e que há cada vez mais hospitais com médicos responsáveis por estas equipas que revêem e validam a prescrição de antibióticos de largo espectro e fazem recomendações aos colegas. “Mas ainda temos muito trabalho pela frente”, admite a nova responsável pelo Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos da Direcção-Geral da Saúde, Maria do Rosário Rodrigues, que nesta sexta-feira apresenta o relatório relativo a 2016, no Porto.

O documento está recheado de boas notícias. A melhor é a de que a prevalência de infecções hospitalares diminuiu substancialmente em Portugal entre 2012 e 2017. Temos agora uma taxa de infecções adquiridas nos hospitais durante o internamento de 7,8%, segundo os resultados preliminares do último inquérito, quando em 2012 era de 10,5%, quase o dobro da média dos países da União Europeia (6,1%). 

Ainda sem conhecer a actual média europeia — que será revelada pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) em Março de 2018 —, Maria do Rosário Rodrigues afirma estar muito satisfeita com este resultado.

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Carvalho da Silva recuperou de uma infecção hospitalar sem sequelas Nuno ferreira Santos

Seja como for, o risco de contrair uma infecção nos hospitais ou outras unidades de saúde, como os cuidados continuados, continua a ser elevado. São muitos os doentes que entram nos hospitais para serem tratados a problemas de saúde e acabam por contrair infecções que os debilitam e, nalguns casos, quase os matam. É um problema bem mais comum do que se possa imaginar. O ex-secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, é um exemplo deste risco. No Inverno de 2013, o sociólogo foi internado no Hospital de S. José (Lisboa) para uma cirurgia comum e, de regresso a casa, começou a sentir-se muito mal. “Fui aguentando, tenho resistência à dor”, recorda. 

Quando voltou ao hospital, entrou logo pelo serviço de urgência. “Tinha uma infecção grave, que cavalgava a uma velocidade incrível”, descreve. Dois dias depois conseguiram identificar a bactéria (Staphilococcus aureus resistente a meticelina), conhecida pelos profissionais de saúde pela sigla MRSA e uma das principais causas de infecção hospitalar. Tratado com grandes doses de antibióticos, um mês depois abandonou o hospital, curado. Mas está convicto de que correu risco de vida e que a sua sorte foi ter sido tratado num hospital com múltiplas valências, como é o S. José.

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Carvalho da Silva recuperou da experiência sem sequelas, mas são frequentes os casos de doentes que, devido a uma maior vulnerabilidade e fragilidade, não resistem às infecções e acabam por morrer. No ano passado, na apresentação do relatório de 2015 deste programa prioritário da DGS, os responsáveis fizeram questão de comparar pela primeira vez uma estimativa efectuada em 2013 — 4606 mortes associadas a infecções em internamentos, 12 casos por dia em média — com os acidentes de viação, em que o número de vítimas mortais é sete vezes menor.

Sem especificar como evoluiu a situação a este nível, o relatório de 2016 aponta para uma melhoria generalizada de diversos indicadores. Além da diminuição da prevalência de infecções, aumentou a adesão dos profissionais de saúde à higiene das mãos (que agora é de 73%) e diminuiu de forma apreciável a incidência de pneumonias associadas à intubação e a de infecção do local cirúrgico na prótese de joelho e de anca, entre outros.

Superbactéria dispara

Em simultâneo, porém, persistem vários sinais de alerta: apesar de uma redução progressiva e sustentada, a percentagem de algumas das bactérias multiresistentes que mais cuidados inspiram (as chamadas superbactérias) continua elevada, nalguns casos bem acima das médias da UE, deixando Portugal a vermelho nos mapas anuais que o ECDC apresenta dos vários países europeus.

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As percentagens de MRSA, o microrganismo que pôs Carvalho da Silva em risco de vida, ou da Acinetobacter baumannii, que também deixa os profissionais de saúde preocupados por causa dos surtos que provoca, têm vindo a melhorar nos últimos anos, mas ambas continuam a vermelho no último mapa que o ECDC divulgou em Novembro, em Bruxelas. É um ciclo vicioso e uma “perigosa espiral”: o aumento das taxas de resistência implica que se usem antibióticos de mais largo espectro e estes têm, por sua vez, maior potencial gerador de resistências.

Mas actualmente o principal problema no caso português é a frequência crescente de amostras de Klebsiella pneumoniae resistente a vários antibióticos de largo espectro (como quinolonas e cefalosporinas de terceira geração) e, sobretudo, resistente a carbapenemos (antibióticos de última linha usados exclusivamente nos hospitais quando os outros falham), que está a aumentar de forma acelerada, quando há uma década era quase desconhecida em Portugal — já estava presente em 6,4% das amostras em 2016, quase o dobro em apenas um ano.

Foi a Klebsiella p. resistente a carbapenemos que provocou em 2015 e 2016 surtos no hospital de Gaia e no Centro Hospitalar de Coimbra, com seis vítimas mortais, três em cada unidade. E, se o consumo de carbapenemos está a diminuir (13,3% entre 2012 e 2016), no ano passado continuávamos num desonroso 2.º lugar na tabela dos maiores utilizadores logo a seguir à Grécia. Quanto aos antibióticos mais triviais, até estamos melhor do que a média, mas no relatório avisa-se que o consumo nos centros de saúde ainda é elevado. 

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