Médico demite-se por não ter condições para um “trabalho honesto”

O anterior responsável pelo programa de combate às infecções hospitalares da Direcção-Geral da Saúde saiu em Julho.

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Nuno ferreira Santos

A situação está a melhorar, mas tem sido “uma batalha terrível” combater o problema das infecções associadas aos cuidados de saúde em Portugal, afirma Paulo André Fernandes, o anterior director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos que se demitiu em Julho passado, ao fim de um ano à frente do programa.

O médico, que dirige os cuidados intensivos do Hospital do Barreiro, decidiu sair por considerar que os recursos que tinha não eram suficientes para garantir “um trabalho honesto”. Ao longo do tempo em que permaneceu à frente deste programa prioritário da Direcção-Geral da Saúde diz que “batalhou” para obter mais recursos, sem sucesso. Por isso, decidiu dar oportunidade a outros para que tentassem fazer “esse milagre”. “As pessoas não têm ideia do que se passa nos hospitais”, afirma.

Os problemas começam logo dentro das instituições, por falta de recursos, enfatiza. Há, frisa, muitos hospitais e centros de saúde que não cumprem as normas definidas em 2013 — que estipulam que médicos e enfermeiros dediquem um determinado número de horas semanais às comissões de controlo da infecção.

No caso dos enfermeiros é mesmo recomendável que alguns estejam a tempo inteiro nestas comissões.

Sublinhando que Portugal tem progredido “em várias frentes” no combate ao problema das resistências antimicrobianas e infecções hospitalares, que é multifactorial e complexo, Paulo Fernandes lembra porém que há problemas que merecem um alerta, como o aumento da frequência de Klebsiella pneumonaie resistente a carbapenemos, microrganismo muito perigoso que facilmente provoca surtos, o que “é preocupante”.  

Nos antibióticos, sintetiza, “também usamos muito menos quinolonas, melhoramos nos carbapenemos, mas mesmo assim continuamos no segundo lugar do consumo destes [fármacos] de última linha, logo a seguir à Grécia”. E estar nesta situação não é uma inevitabilidade. Há países que contrariaram este cenário, lembra Israel, que enfrentou um dos primeiros surtos de Klebsiella multirresistente, conseguiu, “com medidas enérgicas e dotação de meios”, reverter o surto, exemplifica.

É preciso trabalhar em várias frentes, sintetiza. As pessoas não devem pressionar os médicos para que lhes receitem antibióticos por tudo e por nada, devem interessar-se mais por este problema e insistir para que haja estruturas de controlo a funcionar adequadamente, recomenda. Nos hospitais, defende ainda, são necessários mais quartos para isolamento e insistir com os profissionais na necessidade de boas práticas de utilização de luvas, máscaras, batas, de higiene das mãos. Porque abordar um doente sem ter todo este tipo de cuidados é “como prescrever um medicamento errado”, compara.

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