Imigrante com VIH espera 8 meses para ver recusada consulta

Nenhuma das seis unidades de saúde por onde a doente guineense passou a encaminharam para um centro de apoio, segundo a Entidade Reguladora da Saúde. Taxas moderadoras foram indevidamente cobradas e Garcia de Orta vai ter que lhe restituir o valor

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Guilherme Marques

Uma imigrante com VIH esperou oito meses até o Hospital Garcia de Orta, em Almada, recusar segui-la e nenhuma das seis unidades de saúde por onde passou a encaminharam para um centro de apoio, segundo denúncia analisada pelo regulador.

De acordo com uma deliberação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) de Julho, o caso foi exposto pelo coordenador do Centro Antidiscriminação que denunciou uma "alegada discriminação no acesso" de uma doente a cuidados de saúde no Hospital Garcia de Orta.

A cidadã guineense, a residir em Portugal desde Maio de 2014, foi atendida a 2 de Setembro de 2014, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, onde lhe foi diagnosticada co-infeção por VIH 1 e 2.

A 25 de Setembro, a utente foi referenciada por este hospital para o da sua zona de residência: o Garcia de Orta, em Almada.

No entanto, e segundo consta no texto da deliberação da ERS sobre o caso, apenas a 11 de Maio de 2015 é que o pedido de marcação da consulta foi respondido, sendo negativo. 

Da denúncia do Centro Antidiscriminação consta que "esta atitude teve como consequência um atraso de oito meses no processo de regularização [da utente] face ao SNS" e logo no acesso à terapêutica. Ao mesmo tempo, à doente portadora de VIH não lhe deveriam ter sido cobradas as taxas moderadoras. Por isso uma das medidas decretadas pela ERS foi a de que o Garcia de Orta restitua "à utente os valores das taxas moderadoras cobradas nos três episódios de urgência analisados".

A ERS questiona o procedimento adoptado, nomeadamente o envio da informação à utente e a não marcação do serviço solicitado através de meios informáticos.

Em resposta, o hospital referiu que a aplicação informática (Alert PI) não permite referenciar informaticamente, com origem no Hospital Garcia de Orta (HGO), para outros hospitais, nem para os cuidados de saúde primários. "O inverso é possível ser feito pelos cuidados de saúde primários".

Para a ERS, "mesmo nessa impossibilidade, tal ofício deveria ser enviado pelo Hospital Garcia de Orta directamente ao Hospital dos Capuchos (de onde partiu o pedido de referenciação), de forma a agilizar o processo" e "não ser enviado para a utente, o que se, por si só, se mostra moroso para o andamento do processo, ainda o é mais quando estava em causa uma utente em situação de especial fragilidade e desinformação".

Segundo o regulador, "o HGO colocou na utente, ela própria a braços com diversos obstáculos (linguísticos, de literacia, financeiros, de mobilidade, etc.), o ónus de diligenciar pela resolução da sua situação".

Em Outubro de 2014, prossegue a ERS, a utente não possuía documento comprovativo de autorização de residência nem documento que certificasse que se encontrava a residir em Portugal há mais de noventa dias".

Sendo assim, e conforme legislação em vigor, "era dever do Hospital Garcia de Orta, além de prestar os cuidados de saúde necessários", encaminhar a utente "para um Centro Nacional de Apoio ao Imigrante ou para um Centro Local de Apoio à Integração dos Imigrantes mais próximo, a fim destas estruturas de apoio ao imigrante, em articulação com outras entidades oficiais competentes para o efeito, procederem à regularização da sua situação".

"No caso concreto verifica-se que o Hospital Garcia de Orta não diligenciou pelo referido encaminhamento da utente, o que poderia ter acelerado a regularização da sua situação administrativa e, consequentemente, a sua inscrição no SNS, cuja responsabilidade é dos centros de saúde".

O autor da queixa refere ainda que "em nenhuma das unidades de saúde por onde a utente passou e onde foi vista - Hospital dos Capuchos, Garcia de Orta e Egas Moniz, e os centros de saúde Dr. J. Paulino, em Rio de Mouro, USF do Laranjeiro ou da Cova da Piedade - a utente foi devidamente informada nem encaminhada para um Centro Nacional de Apoio ao Imigrante ou para um Centro Local de Apoio à Integração dos Imigrantes.

"Na situação de grande fragilidade (administrativa, clínica) da utente", esse encaminhamento "seria importante para diminuir as dificuldades burocráticas e agilizar o seu processo de regularização e, consequentemente, de inscrição no SNS".

Outra ordem emitida pela ERS foi a de que todos os hospitais "devem garantir que o atendimento de imigrantes se processe no estrito cumprimento dos princípios e normas" previstos pela lei e circular da DGS, "assegurando cuidados de saúde de qualidade e em tempo adequado aos utentes nessa situação, bem como garantir a agilização e eficiência no processamento da sua situação administrativa no sentido da inscrição no SNS".

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