O estudo favorável à criação de uma sala de consumo assistido esteve guardado durante seis meses numa divisão da Câmara Municipal do Porto. O Bloco de Esquerda (BE) vai levá-lo à próxima Assembleia Municipal ordinária, a primeira agendada para 2018, e recomendar à cidade que abra a sua primeira “sala de chuto”.

Há dois anos que o BE se bate pelas salas de consumo assistido. Em Setembro de 2015, quis pôr o tema na agenda da assembleia municipal. Não chegou a acontecer. Haveria um debate aberto à cidade em Março de 2016. A ideia esteve na ordem do dia em Junho de 2016, desta vez pela mão do BE e da CDU.

A recomendação para avançar não colheu votos suficientes na assembleia. Foi aprovada uma outra, apresentada pelo PS e pelo Grupo de Cidadãos Rui Moreira: mandatar a Divisão de Promoção de Saúde para estudar o assunto e entregar o resultado a uma comissão formada por representantes dos vários partidos.

O estudo foi adjudicado em Novembro ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. A equipa, liderada por Henrique Barros, fez as entrevistas em Janeiro e no dia 22 de Fevereiro entregou um rascunho à Divisão de Promoção de Saúde.

Manuel Pizarro admite que recebeu informação sobre a entrega de uma versão preliminar do estudo. Sublinha, porém, que essa nunca poderia ter sido divulgada. “Quando a versão final foi entregue, já não tinha pelouro havia mais de um mês”, enfatiza.

Em ruptura com Rui Moreira, Pizarro deixou de ter pelouros no dia 17 de Maio. O presidente assumiu-os. Numa assembleia municipal de Junho, o BE perguntou-lhe pelo estudo e ele respondeu que não sabia.

O estudo foi remetido para a Divisão de Promoção de Saúde a 19 de Junho, mas não chegou às mãos do presidente da câmara, nem do presidente da Assembleia Municipal, Miguel Pereira Leite, que preside à comissão. A comissão, essa, só reuniu uma vez, em Dezembro.

Apenas nesta segunda-feira, na sequência de uma informação avançada pelo Jornal de Notícias, Pizarro questionou Moreira. Moreira mandou questionar a Divisão de Promoção de Saúde. Nesse mesmo dia, recebeu o estudo, que também seguiu para Manuel Pizarro, Miguel Pereira Leite e os outros membros da comissão. 

“O estudo esteve guardado desde Junho”, comenta Susana Constante Pereira, deputada municipal do BE. “Não vou dizer que houve uma intenção deliberada de o esconder, mas em Junho já estávamos em campanha eleitoral e este estudo era importante para abrir este debate.”

O executivo, pela voz do chefe de gabinete de Rui Moreira, abstêm-se de comentar esta dúvida. Limita-se a dizer que o estudo não tinha de ser enviado para o autarca, mesmo tendo ele o pelouro que tutela a Divisão de Promoção de Saúde. Devia, sim, ter seguido para a comissão municipal.

Inquiridos concordam

Os dados são contundentes. Quase todos (98%) os 576 consumidores e ex-consumidores entrevistados na rua se mostraram favoráveis à existência de uma sala de consumo assistida – 90% disseram que a utilizariam e 72% propuseram que fosse criada perto dos bairros de venda e consumo.

Nem só o público-alvo se revelou favorável àquela ideia. O estudo incluiu um “inquérito telefónico realizado a 482 adultos da cidade do Porto”. Ora, “cerca de 70% dos inquiridos concordaram com a implementação de uma sala de consumo assistido no Porto".

Na opinião de Susana Constante Pereira, mais importante do que discutir o que aconteceu nos últimos meses é discutir o que acontecerá nos próximos. Parece-lhe que o PS e a equipa de Rui Moreira deixaram de ter argumentos para não avançar no Porto, como Lisboa fará em 2018.

“Isto é um debate político, há decisões políticas que têm de ser tomadas", declara aquela deputada municipal. "A salvaguarda técnica está na aplicação da lei, não serve de argumento para continuar a empurrar este assunto com a barriga.”

Pizarro orgulha-se de ter encomendado o estudo. “Eu não tenho nenhum preconceito, mas tem de haver uma sustentação técnica”, diz. “Ainda não tive tempo para analisar o estudo com detalhe”, admite. Ao que já lhe foi dado ver, tudo indica que seria útil criar este tipo de estrutura. “Acho que a toxicodependência tem de ser tratada com humanismo e com pragmatismo, no sentido em que um toxicodependente é uma pessoa que sofre de uma doença, de uma adição, tem de ser tratado com dignidade, e as abordagens têm de ter em conta a realidade, não se pode enfabular uma sociedade livre de drogas”, defende.