O padeiro que "cria o pão como um poema homérico"

A curta-metragem O Padeiro, na qual a realizadora Maria Braga filma Mário Rolando, é apresentada hoje na Cinemateca Portuguesa.

Mário Rolando e o pão
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Mário Rolando e o pão Maria Braga
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Maria Braga

Primeiro, a farinha e a água. Depois, as mãos, os braços, a massa que começa a ganhar forma. É o padeiro que molda o pão ou o pão que molda o padeiro? Maria Braga, realizadora, queria “pensar o pão, do alimento ao simbólico”. E encontrou o parceiro ideal para isso no padeiro Mário Rolando. O resultado deste encontro é a curta-metragem O Padeiro, apresentada hoje à noite, em ante-estreia, na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa.

“Li uma entrevista com o Mário e pareceu-me que era a pessoa indicada para me dar esse lado simbólico do pão”, explica Maria Braga. Propôs-lhe fazerem um filme juntos e ele aceitou imediatamente. “Comecei a filmá-lo e a partir do pão encontrei o padeiro.” Que não é um padeiro vulgar. “O Mário é padeiro não só quando está a fazer pão. Ele olha para a vida como padeiro.” Na sinopse, a realizadora descreve-o como “um Mestre padeiro que cria o pão como um poema Homérico”.

No filme, há quase uma fusão entre o homem e o seu trabalho. Mário Rolando, que descobriu a massa-mãe em 2000 num curso da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e trabalha actualmente com o chef Vítor Sobral, fala com uma paixão absoluta sobre o pão que faz. Toca-o, ouve-o, cheira-o. Ouvimo-lo, com a sua voz poderosa, enquanto o vemos a amassar a massa até ela chegar ao momento em que precisa de descansar. “Quem está a ser moldado? O Mário ou o pão?”.

Maria trabalha há bastante tempo no projecto Grão a Grão, filmando em vídeo práticas e produtos ligados à gastronomia portuguesa. Mas sentiu a necessidade de filmar com mais tempo, de não se limitar ao registo e de criar imagens mais pensadas. Foi essa vontade que a levou à curta-metragem que agora apresenta.

Apesar de as filmagens terem decorrido num único dia, Maria teve várias conversas prévias com Mário. Numa delas falou-lhe de uma imagem que tinha na cabeça: uma Pietà invertida, com Mário segurando ao colo a massa do pão, envolvida em panos. “O Mário delirou com a ideia, que tem tudo a ver com o cuidar.” Até os panos usados pelo padeiro, diz Maria, fazem lembrar os que envolviam Jesus Cristo.

Esse lado espiritual, quase religioso, atravessa o filme, cruzando-se com o lado muito físico e material das mãos a trabalhar a massa, a transformá-la, a separá-la em bolas, a levá-la ao forno e, por fim, a tirar o pão. Há um homem que cria algo de novo. “Os gestos são muito importantes, são também o que procuro nos vídeos do Grão a Grão. Aqui é muito importante essa fisicalidade, esse moldar. Tanto o alimento como o padeiro são personagens do meu filme.”

Curiosamente, já depois de terem acertado a data para as filmagens – dias 11 e 12 de Maio – Mário liga à realizadora e anuncia-lhe que no dia 11 vai começar a fazer o pão para o Papa, que vinha a Portugal. “Foi uma total coincidência”, diz Maria. Mas se este era um filme que se propunha falar do pão do alimento ao simbólico, dificilmente poderiam ter esperado uma coincidência mais perfeita. Entre a matéria e o espírito, O Padeiro

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