Câmara de Paredes obrigada a devolver seis milhões de euros de fundos comunitários

Irregularidades na aplicação de verbas impedem autarquia de aceder a novos apoios. Presidente eleito acusa antecessor de ter feito despesas eleitoralistas e de deixar o novo executivo com fraca margem de manobra

Foto
Organismo europeu afirmou, em Janeiro, existirem “suspeitas de fraudes com milhões da União Europeia atribuídos à Câmara de Paredes para a construção de escolas” NELSON GARRIDO

A Câmara Municipal de Paredes está impedida de receber fundos comunitários até ao montante total de seis milhões de euros, depois de ter sido relatada alegada fraude na aplicação de verbas europeias em várias empreitadas de construção e apetrechamento de centros escolares no município. O actual presidente da câmara, eleito pelo PS, Alexandre Almeida, vai solicitar uma auditoria à Inspecção-Geral de Finanças, e vai reunir-se na próxima semana com o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, Nelson de Souza, “a solicitar uma intervenção do Governo” e a pedir que, em conjunto, “seja encontrada uma solução para o problema”.

Este impedimento surge na sequência do relatório que culminou a investigação que o Organismo Europeu de Luta Anti-Fraude (OLAF) desencadeou relativamente aos contratos de adjudicação relativos a quatro centros escolares: Duas Igrejas, Recarei, Sobreira e Vilela. Em Janeiro deste ano soube-se que o organismo europeu afirmava existirem “suspeitas de fraudes com milhões da União Europeia atribuídos à Câmara de Paredes para a construção de escolas”, sugerindo a viciação nas empreitadas de modo a “favorecer um conjunto de empresas da confiança” do então presidente Celso Ferreira (PSD). O relatório da OLAF propunha, então, que a Câmara de Paredes devolvesse 8,39 milhões de euros de ajudas comunitárias.

O processo passou, então, para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), que, em resposta a um pedido de esclarecimento enviado pelo PÚBLICO, se limitou a confirmar que a Autoridade de Gestão do Norte 2020 havia sido notificada para implementar as recomendações emitidas em sede de relatório final do OLAF. E que, nesse contexto, “foram aprovadas correcções financeiras para um conjunto de projectos implementados pelo município de Paredes”.

É o actual presidente, Alexandre Almeida, quem explica a que se referem os seis milhões de euros de apoios que a autarquia se vê agora obrigada a devolver – dos quatro processo inicialmente desencadeados pelo relatório da OLAF, a CCDRN encontrou irregularidades que obrigam à devolução de 2,9 milhões de euros. Só que não se limitou a analisar aqueles quatro processos, e avançou para a monitorização de mais nove (Mouriz, Gandra, Rebordosa n.º 1, Sobrosa, Cete, Lordelo n.º 1 e Lordelo n.º 2, Bitarães e Baltar), e encontrou irregularidades que obrigam à devolução de cerca de mais 3,1 milhões. O somatório das verbas a devolver por irregularidades é de 6.000.977 euros. Esta decisão não é passível de recurso, diz ao PÚBLICO Alexandre Almeida.

“Já dei a conhecer a todos os meus serviços a situação de fragilidade financeira em que nos encontramos. Tenho dificuldades financeiras sérias do lado da despesa – e que nos vai obrigar a um grande corte de despesas de funcionamento –, e tenho dificuldades sérias do lado da receita, já que a câmara não pode aceder a fundos, nem aumentar impostos”, explicou Alexandre Almeida.

O actual presidente da câmara dá um exemplo, extraído do orçamento para 2018 que leva esta quinta-feira, 14 de Dezembro, a reunião do executivo: “Inclui na rubrica de obras uma despesa de 23 milhões de euros, mas a verdade é que, destes, 21,5 milhões de euros são referentes a obras que já foram contratadas mas que só vão começar a ser pagas em 2018”, afirma, defendendo não ter dúvidas que se tratou de “obras eleitoralistas”, que assentaram sobretudo em arruamentos. “Este executivo terá pouco mais do que 1,5 milhões de euros para gerir, e para acudir a obras que sabemos que são necessárias, como, por exemplo, a construção de um novo canil municipal”, lamenta o autarca.

O “orçamento de má herança”, como lhe chama Alexandre Almeida, assenta numa verba de 62 milhões de euros para 2018, ano em que tem de enfrentar um passivo de cerca de 110 milhões de euros.

Neste quadro adverso, o presidente da câmara soma ainda o relatório da Inspecção-Geral de Finanças (IGF), conhecido há cerca de um mês, relativo à auditoria realizada em 2016 ao município e que incidiu sobre as obrigações a que a Câmara de Paredes estava comprometida pelo Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) – referentes a um empréstimo de 19,7 milhões de euros, contraído em 2013, a pagar em 14 anos – e que conclui que o município está em incumprimento.

“A dívida municipal agravou-se mais ao longo de 2017, deixando o executivo em funções de pés e mãos atados e impedido por lei de mexer na actual taxa de IMI para o ano de 2018”, conclui o presidente da câmara.

Sugerir correcção
Comentar