As grandes empresas de tecnologia estão a mudar o mundo, mas não necessariamente para melhor

Google, Amazon, Facebook e Apple são das empresas mais conhecidas do mundo, mas cuja prática contribui para o aumento da desigualdade e a degradação do discurso público. Hoje o programa Fronteiras XXI, na RTP 3, vai discutir as redes sociais e o seu impacto na vida pública.

Poucos anos depois de terem surgido, as grandes empresas tecnológicas eram vistas como a realização das expectativas colocadas sobre a Internet. Passadas duas décadas sobre o nascimento do Google e uma dúzia de anos depois do aparecimento do Facebook, é possível clarificar o cenário. Muitas das expectativas criadas pelas grandes empresas tecnológicas não se concretizaram, em grande medida porque se ignorou a dimensão fundamental da sua existência: Google, Amazon, Facebook e Apple são negócios cujo primeiro objectivo é satisfazer o accionista e não trabalhar em prol de um mundo melhor. Todos os problemas – e não foram poucos – que surgiram com estas grandes empresas tecnológicas devem-se precisamente à oposição entre um discurso público que fala em fazer o bem e uma prática que visará apenas a maximização do lucro. 

O estímulo da desigualdade

Na verdade, ao mesmo tempo que o Google tem como mantra “Não fazer o mal” e o Facebook se empenha em “dar aos cidadãos o poder de construir comunidades e aproximar o mundo”, acumulam-se os processos contra as práticas antiéticas destas empresas. A Comissão Europeia já multou o Google em valores recorde (2,42 mil milhões de euros) por práticas anticoncorrenciais na União, ao mesmo tempo que processou o Facebook por incumprimento das leis da privacidade no território europeu e multou a Amazon e a Apple por falhas no pagamento de impostos. Nos Estados Unidos, três vastas investigações estão a apurar a dimensão da permeabilidade das redes sociais à manipulação política, com destaque para o envolvimento da Rússia nas eleições presidenciais norte-americanas

Um dos mal-entendidos sobre estas empresas é pensar que elas estimulam a cultura do empreendedorismo. Jonathan Taplin, autor do livro Move Fast and Break Things: How Google, Facebook and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy, norteia o alinhamento ideológico dos fundadores destes gigantes tecnológicos em três eixos: na ideia de destruição criativa de Joseph Schumpeter, no idealismo optimista de Ayn Rand e no pragmatismo monopolista de Peter Thiel, líder da alta finança, primeiro investidor do Facebook e hoje conselheiro para a tecnologia de Donald Trump. Foi ele quem forneceu o substrato ideológico para estas empresas com ambições monopolistas, que quebram todas as regras e usam a lei do mais forte para esmagar os concorrentes. Taplin vai mais longe e liga este comportamento à actual era da desigualdade: “Contrariamente ao que os deterministas tecnocratas querem que acreditemos, a desigualdade não é o resultado inevitável da tecnologia e da globalização, ou mesmo da distribuição desigual da inteligência. É um resultado directo de os responsáveis políticos agirem, desde o crescimento da Internet, como se as regras que se aplicam a toda a economia não se aplicassem aos monopólios da Internet. Relativamente à regulação das indústrias da Internet, tudo é ignorado: impostos, regulamentos da concorrência, legislação de propriedade intelectual. Os donos do monopólio digital exigem rédea solta para serem eficientes.” Mais à frente, explica o impacto na economia americana: “O problema é que a imensa produtividade destas empresas, associada aos seus preços oligopolistas, gera um vasto excedente financeiro que excede a capacidade de absorção da economia através dos seus mecanismos normais de consumo e investimento. É por esta razão que o saldo da Apple e do Google é, respectivamente, de 150 mil milhões e 75 mil milhões de dólares. Estas empresas não conseguem encontrar oportunidades suficientes para reinvestir, porque já existe uma sobrecapacidade em muitas áreas e porque a sua produtividade é tão elevada que não são criados novos postos de trabalho nem encontrados novos potenciais clientes.”

A censura selectiva

Ao mesmo tempo, o impacto das redes sociais no discurso público faz-se sentir de forma intensa. As práticas censórias das redes sociais são altamente discricionárias e têm sido criticadas por permitirem aos promotores dos discursos de ódio chegar a uma plataforma maior, ao mesmo tempo que se censuram as vítimas – o caso mais recente foi o da minoria rohingya na Birmânia que está a ser sujeita a um processo de genocídio, mas cujos activistas foram deliberadamente censurados no Facebook. Paralelamente, as empresas em questão têm feito cedências para entrar em mercados como a Rússia e a Turquia, não se sabendo até onde irão ceder para ter acesso à cobiçada China. 

E alguns analistas consideram ainda mais grave a degradação do discurso público, com consequências dramáticas para a democracia. Tom Nichols, professor em Harvard (e cinco vezes campeão imbatível do Jeopardy), escreveu um livro chamado The Death of Expertise em que é muito eloquente na descrição do fenómeno: “Temo que estejamos a testemunhar a morte do próprio ideal do especialista, um colapso da distinção entre profissionais e leigos, alunos e professores, conhecedores e sabichões – ou seja, entre aqueles com algum tipo de reconhecimento numa área do conhecimento e aqueles que não têm nenhum, patrocinado pelo Google, pela Wikipedia e pelos blogues.” E a ameaça, afirma, já teve consequências: “A ascensão de Trump em 2016 foi o produto de muitos factores e alguns deles (como o grande número de candidatos numa corrida em que só poderia haver um vencedor) foram meramente circunstanciais. No entanto, a vitória de Trump foi um dos maiores e mais sonantes alertas sobre a morte iminente do conhecimento. Pensemos como a campanha de Trump representou uma campanha de um homem só contra o conhecimento estabelecido. Como já era esperado, Trump, em 2016, obteve maior apoio entre aqueles que têm menos formação académica. ‘Adoro todos os que têm um baixo nível de formação académica’, afirmou Trump após vencer as primárias no Nevada. A adoração era claramente recíproca.”

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