Câmara mandou fechar seis espaços de diversão nocturna nos últimos dois anos

Autarquia tem também em curso 47 processos de restrição de horários, "por via da existência de indícios de perturbação à tranquilidade pública".

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Na Rua Cor-de-Rosa, "já só sobram duas famílias" Nuno Ferreira Santos

A câmara de Lisboa mandou encerrar, entre 2016 e 2017, seis espaços de diversão nocturna, no seguimento de pedidos da PSP por suspeitas de "tráfico e consumo de estupefacientes", adiantou o vice-presidente da autarquia da capital, Duarte Cordeiro. 

Destes, dois foram encerrados no ano passado e quatro já este ano. O mais recente, que ainda se encontra em fase de instrução, refere-se à discoteca Barrio Latino, que a autarquia mandou encerrar na terça-feira, depois de já ter aplicado uma restrição de horário àquele espaço. A decisão foi tomada depois de um segurança ter sido atingido a tiro no parque de estacionamento junto à entrada principal deste espaço nocturno, na zona de Santos, acabando por morrer no Hospital de São José.

Segundo Duarte Cordeiro, os outros processos são relativos aos espaços Warehouse e Secret (encerrados em Janeiro de 2016), Europa Sunrise (encerrado em Fevereiro), Vamos a Fátima (encerrado em Junho) e Castrense (encerrado em Setembro, com processo entretanto arquivado).

O vice-presidente da câmara de Lisboa falava na segunda e última sessão do debate, promovido nesta terça-feira pela Assembleia Municipal de Lisboa, que quis pôr as várias forças da cidade a discutir a segurança e a qualidade de vida nocturna da capital. 

47 processos de restrição temporária de horários

Se, na semana passada, vários moradores reclamavam por mais policiamento de proximidade, pelo alargamento da videovigilância em zonas de diversão nocturna na cidade, nesta sessão as exigências centraram-se na maior acção e fiscalização por parte da câmara às licenças especiais de ruído. A música alta, que dura para lá do horário de funcionamento permitido, e o movimento nas ruas durante a madrugada privam os moradores do descanso necessário e acabam por afastá-los destes bairros.

"Já só sobram duas famílias na Rua 'Cor-de-Rosa'. Todas as outras foram embora porque não aguentaram o ruído”, lamentava Isabel Sá da Bandeira, membro da associação de moradores Aqui Mora Gente, durante o debate. 

Vigília da Assunção Lopes, representante dos moradores da Misericórdia, alertava para o facto de muitos dos edifícios da freguesia serem "muito antigos", com isolamento sonoro insuficiente. Ao mesmo tempo, lembrou, com a instalação de alojamentos locais na freguesia, "muitas vezes sem condições de isolamento sonoro", o descanso dos moradores é prejudicado.

Desde a entrada em vigor, em Novembro de 2016, do novo regulamento para o horário de funcionamento de estabelecimentos de venda ao público e prestação de serviços de Lisboa, até 4 de Dezembro, a Polícia Municipal e a PSP levantaram 1061 autos. Destes, 506 têm por base o funcionamento fora do horário, 324 “por falta de afixação do mapa de horários” e 195 "por falta de requisitos e limitadores de som", explicou Duarte Cordeiro.  

Com a entrada em vigor do novo regulamento, a cidade foi dividida em duas zonas: uma residencial (com limite de horários) e uma não residencial (sem limite, como é o caso das zonas ribeirinhas), "para motivar a deslocação de actividades nocturnas mais tardias para zonas não residenciais". Esse regulamento definiu que os estabelecimentos de Lisboa com música ao vivo ou amplificada (como alguns restaurantes, por exemplo) apenas podem funcionar depois das 23h com limitadores de som nas aparelhagens, correndo o risco de serem multados ou obrigados a fechar mais cedo. Já as discotecas, para poderem estar abertas até às 4h, têm de colocar segurança privada à porta do estabelecimento e instalar um sistema de videovigilância.

Segundo Duarte Cordeiro, “entraram na câmara de Lisboa 262 pedidos de aprovação de limitador de som”. Desses, 156 já se encontram instalados, sendo que 64 estão selados, isto é, têm "o processo finalizado".  

Só este ano, a autarquia recebeu 351 reclamações por causa do ruído, tendo em curso "47 processos de restrição temporáris de horários". Com o regulamento, foi criada "a faculdade de poder fazer restrição de horários de actividade por via da existência de indícios de perturbação à tranquilidade pública", explicou Duarte Cordeiro. 

Queixas de moradores, mas também de turistas

Além das críticas dos moradores, também alguns turistas, que ficam hospedados nos hotéis da capital, têm demonstrado descontentamento por causa do barulho. Luís Alves de Sousa, da Associação dos Hotéis de Portugal, sublinhou que são frequentes as queixas de hóspedes relativas, por exemplo, ao barulho que é produzido pelos "quiosques na Avenida da Liberdade, das festas no Parque Mayer, e na rua do Alecrim". Para o representante, a prevenção do ruído, da poluição sonora é tarefa fundamental do Estado e “deve ser prioridade das juntas, da câmara e do Governo”.

Para Júlio Fernandes, vice-presidente da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), "os ruídos são alheios aos empresários", já que estes não "não podem intervir" fora dos seus estabelecimentos, na rua, onde os clientes se concentram durante a madrugada. O responsável lembrou que os custos com os limitadores de som estão a ser suportados pelos empresários da noite e da restauração, sublinhando o "papel fundamental" que o entretenimento tem no turismo, e a necessidade dos empresários serem vistos como “agentes dinamizadores” e não só como “foco de perturbação”. 

Carlos Silva Santos, médico e professor universitário na Escola Nacional de Saúde Pública, defendeu que o ruído é um dos factores “com maior impacto na saúde humana dos lisboetas”. O também antigo deputado municipal insistiu que, "nos casos de gravidade, a intervenção da câmara de Lisboa e da polícia tem que ser mais assertiva" face à constante "impunidade dos barulhentos". Para Silva Santos, a actividade dos estabelecimentos nocturnos depois das 23h só deveria ser permitida "em zonas não residenciais".

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