Mais fundos europeus não significam mais empresas e empregos nos municípios

Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos demonstra que dinâmica empresarial sai mais beneficiada nos municípios que acedem a uma maior diversidade de rubricas. E que o impacto é maior quando há articulação a nível regional

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Dinâmicas empresariais terão mais a ganhar se a atribuição de fundos europeus for gerida por regiões em vez de ser captada individualmente por cada município, diz o estudo Marco Duarte

Se um presidente da câmara pudesse escolher entre conseguir angariar mais 100 mil euros de fundos comunitários para aplicar directamente no seu município ou aplicar uma verba bastante inferior mas num processo articulado, com mais do que um município e em mais do que uma rubrica, qual das duas hipóteses teria mais impacto no concelho em termos de dinâmica empresarial, de constituição de novas empresas e de criação de postos de trabalho? O estudo “O Impacto Económico dos Fundos Europeus: a Experiência dos Municípios Portugueses”, que vai ser apresentado hoje pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, chega a uma conclusão inesperada: um maior volume de financiamento traduz-se, antes, num saldo líquido negativo entre o número de empresas que entram e que saem do concelho.

Na verdade, a transferência de mais euros de fundos europeus está associada a um menor número de entradas de empresas no município, a um menor número de saídas, mas corresponde, sobretudo, a um menor número de entradas líquidas.

A resposta não seria evidente, e surpreendeu os próprios autores do estudo, coordenado por José Tavares, doutorado em Economia pela Universidade de Harvard e especialista em Economia Política. “Não estava à espera de perceber que um maior volume de financiamento estaria associado à saída de empresas do concelho”, admitiu, em declarações ao PÚBLICO. Pelo contrário, não foi propriamente surpreendido ao perceber que as dinâmicas empresariais nos municípios terão muito mais a ganhar se a atribuição de fundos europeus for pensada, e gerida, por regiões em vez de ser captada individualmente por cada município. 

O estudo em causa, que contou ainda com a participação dos investigadores Ernesto Freitas e João Pereira dos Santos, incidiu sobre todos os municípios do continente (as regiões autónomas não foram objecto de análise), durante o período de 2003 e 2010, abrangendo dois ciclos de financiamento comunitário, o III QCA e o QREN. Os investigadores relacionaram o montante de fundos acedidos por ano e por município, assim como o número de distintas rubricas temáticas de fundos acedidos, com a informação recolhida sobre entradas e saídas de empresas privadas a nível municipal, cruzando-as, ainda, com os dados divulgados pelo Instituto de Emprego e Formação profissional (IEFP).

O objectivo era verificar a forma como o acesso aos fundos europeus pelos municípios portugueses se relacionava com a dinâmica empresarial, por um lado, e com o desemprego, por outro. E uma das mais importantes conclusões para que aponta este estudo é a verificação de que o que conta para a criação de empresas e de emprego nos municípios portugueses é antes a diversidade e a combinação de várias rubricas de fundos.

Recorde-se que cada ciclo de financiamento comunitário distribui o envelope financeiro por “rubricas”, apoiando diferentes tipos de investimento – por exemplo, no IIIQCA as rubricas mais utilizadas pelos municípios foram as “Acessibilidades e equipamentos”, “Ambiente”, “Capacitação institucional” e no QREN foram “Rede escolar”, “Política de Cidades”, “Conectidade Internacional, Acessibilidades e Mobilidade”. E os investigadores verificaram que acesso a maior número de rubricas está associado a um aumento da entrada de empresas de 2,9%, a uma diminuição da saída de empresas de 4,2%, e, mais relevante ainda, a um aumento da entrada líquida de empresas de 7,1%. Isto é, quando acedem a uma panóplia mais alargada de fundos, “mais empresas são criadas, menos são destruídas, de que resulta um significativo aumento de 7% na entrada líquida de empresas”, pode ler-se no estudo.

José Tavares sublinha que uma percentagem desta grandeza demonstra a importância que a aplicação de fundos comunitários pode ter na condução do município – isto, depois de sublinhar que, obviamente, não é apenas para captar a fixação de empresas e para criar emprego que servem as políticas municipais e a aplicação de fundos. “Não tencionamos fazer aqui uma avaliação holística e definitiva, apenas consideramos estes indicadores, mas há vários outros. O importante é que haja mais estudos deste género, que possam contribuir para o aumento da transparência destas questões”, argumenta o economista, referindo que o tema tem andado a ser tratado de uma forma “demasiado opaca e politizada”.

Se tivesse de dar um conselho a um autarca, qual daria José Tavares? “Em vez de andarem todos a copiar o que tem o município do lado, e estarem todos a construir uma piscina municipal, poderia ser mais relevante organizarem uma candidatura mais ampla, em que um vizinho fica com a piscina e o outro com outro equipamento que considerado relevante”, exemplifica, admitindo que a lógica criada no actual ciclo comunitário, o Portugal 2020, que preconiza as candidaturas através de comunidades intermunicipais já preconiza nesta lógica.

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