A viagem dos mosquitos resistentes aos insecticidas em África foi rápida

Uma equipa de cientistas, que inclui o português João Pinto, sequenciou o genoma de mais de 700 mosquitos transmissores da malária. Desta forma, percebeu-se que têm grande diversidade genética e, por isso, facilmente se tornaram resistentes aos insecticidas.

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Mosquito que transmite a malária James Gathany

Acabam de ser publicadas as conclusões daquele que já é considerado o maior estudo genético sobre mosquitos transmissores do parasita da malária. Ao todo, sequenciou-se o genoma completo de 765 mosquitos de 15 localidades de oito países africanos. Os cientistas do Consórcio dos 1000 Genomas da espécie de mosquitos Anopheles gambiae, que teve a participação de João Pinto, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Lisboa), fizeram uma autêntica viagem genética através dos mosquitos. Nessa viagem, perceberam que estes insectos têm uma elevada diversidade genética, o que teve influência na sua rápida adaptação para resistir aos insecticidas usados no combate à malária. Além disso, essa resistência teve uma evolução rápida.

O estudo foi publicado online na revista científica Nature e faz parte de uma trilogia de projectos da Rede de Epidemiologia Genómica da Malária (MalariaGEN), que junta cientistas de 36 países, incluindo Portugal. O objectivo é investigar de que forma a variação genética afecta a biologia e a epidemiologia da malária e usar esse conhecimento para desenvolver ferramentas para controlar a doença. Para isso, sequenciam-se genomas. Até agora, já tinham descodificado genomas de humanos, bem como de parasitas do género Plasmodium, que causam malária. Agora publicaram-se os resultados da primeira fase do projecto que sequenciou o genoma dos transmissores da malária: os mosquitos. Há ainda uma segunda fase do projecto do Consórcio dos 1000 Genomas para os mosquitos Anopheles gambiae, que ainda não tem conclusões, mas já ultrapassou o objectivo inicial de sequenciar genomas de mil mosquitos. Segundo o site do projecto, já foram descodificados mais de 1300 genomas. E há ainda uma terceira fase.

E por quê esta trilogia? Porque estes são os três intervenientes principais da malária. A doença é causada por parasitas do género Plasmodium, como o Plasmodium falciparum, que são transmitidos por mosquitos do género Anopheles. “As fêmeas de mosquitos passam os parasitas da malária de pessoa para pessoa, quando estão a alimentar-se de sangue para ajudar ao desenvolvimento dos seus ovos”, refere o site do projecto. O parasita vai depois invadir os glóbulos vermelhos dos humanos e pode ser fatal. “A malária continua a ser uma grande preocupação”, frisa o entomólogo médico João Pinto. Segundo os últimos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016 registaram-se 216 milhões de casos e 445 mil mortes.

Concentremo-nos então na primeira fase do Consórcio dos 1000 Genomas do Anopheles gambiae, que faz parte da MalariaGEN. Foi então analisado o genoma completo de 765 mosquitos das espécies Anopheles gambiae e da Anopheles coluzzi. “São duas espécies muito próximas, que só foram diferenciadas em 2013 e são os principais transmissores de malária em África”, explica João Pinto. Os mosquitos das 15 localidades de oito países africanos são oriundos de florestas húmidas, savanas e zonas costeiras.

Redes mosquiteiras com insecticida

Houve duas conclusões principais neste estudo. A primeira foi de que os mosquitos têm uma elevada diversidade genética, o que influencia a rápida adaptação das suas populações quando são submetidas aos insecticidas. “Desenvolvem resistência”, salienta o entomólogo, acrescentando que encontraram cerca de 52 milhões de variantes genéticas no genoma dos mosquitos.

A segunda grande conclusão foi a rápida evolução da resistência dos mosquitos aos insecticidas usados para combater a malária. Os insecticidas do grupo químico dos piretróides são os únicos autorizados pela OMS, que actualmente recomenda também o uso de redes mosquiteiras tratadas com insecticidas. “Para tornar as redes mais eficazes tratam-se com insecticidas”, destaca João Pinto. Ainda são usados outros insecticidas do grupo químico dos organofosfatos, assim como o DDT (do grupo dos organoclorados), em situações de emergência, de elevada transmissão de malária e quando há resistência aos piretróides. Este insecticida foi proibido nos anos 70 e acabou por ser recomendado de novo pela OMS em 2006. “E não são só as mutações [genéticas] da resistência ao insecticida: as mutações têm vindo a dispersar-se geograficamente na migração de mosquitos a longas distâncias”, acrescenta João Pinto.

E qual é o contributo deste estudo na luta contra a malária? Neste momento, há duas formas de combater esta doença, através de fármacos antimalária e do controlo dos vectores de transmissão, os mosquitos. É neste último que este estudo dá o seu contributo, como explica João Pinto: “Permite o controlo no sentido de se conhecer melhor a população do vector e de monitorizar o aparecimento da resistência [aos insecticidas] e a sua disseminação, ajudando-nos a desenvolver novos métodos de controlo.” Relativamente à resistência aos insecticidas, permite ainda conhecer o número de vezes que ocorre uma mutação genética. “Toda esta informação é importante para se perceber como [a malária] se desenvolve e como se propaga.”

Depois, há ainda o controlo genético. Actualmente, desenvolvem-se métodos para transformar as populações de mosquitos transmissoras de malária em populações não transmissoras. Há ainda mecanismos que permitem seleccionar certos genes, como aqueles que interferem com o desenvolvimento dos parasitas no mosquito. “Uma das conclusões [deste estudo] é que a extrema variação genética pode ser um obstáculo à implementação do controlo baseado na transformação genética”, refere João Pinto.

“Os dados que gerámos são um recurso único para estudar como as populações de mosquitos estão a responder ao nosso esforço actual de controlo, e para desenvolver tecnologias melhores e estratégias para o controlo no mosquito no futuro”, resume por sua vez Alistair Miles, do Instituto Wellcome Trust Sanger (Reino Unido) e coordenador do projecto, num comunicado da MalariaGEN. “Vão ser necessários mais dados no futuro para preencher falhas geográficas e estudar como as populações de mosquitos mudam ao longo do tempo e respondem a intervenções específicas de controlo.” Quanto aos dados já disponíveis, João Pinto avisa que toda a comunidade científica pode aceder a eles pela Internet. Tudo para que a batalha contra a malária continue. 

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