O desafio populista e a desestruturação do sistema partidário europeu

Com a rejeição da “Constituição Europeia”, a crise das dívidas soberanas e o êxodo migratório, a Europa viu progredir, à esquerda e à direita, partidos com um discurso anti-sistémico.

Um espetro assombra a Europa: o espetro do populismo. Por décadas os governos europeus gozaram de estabilidade, graças a sistemas partidários estruturados e uma alternância entre o centro-esquerda e o centro-direita, assentando a União Europeia num pacto entre sociais-democratas e democratas-cristãos.

Contudo, com a rejeição da “Constituição Europeia”, a crise das dívidas soberanas e o êxodo migratório, a Europa viu progredir, à esquerda e à direita, partidos com um discurso anti-sistémico, cujo avanço foi inicialmente encarado como um caso pitoresco, depois como uma ameaça de “bárbaros às portas da cidadela” e hoje como uma força real que já entrou na cidadela e prova o exercício do poder.

Porquê o Populismo? Não havendo consenso sobre a definição de populismo, consideramos que um partido populista usa um discurso que oferece aquilo que um largo setor do eleitorado pretende, explorando habilmente as suas principais aspirações e medos. Os populistas aceitam o jogo democrático, têm líderes tribunícios com um verbo simples e criador expectativas de aplicação imediata e elegem um “inimigo” impopular.

O desgaste da democracia representativa constituiu o “caldo de cultura” do populismo. Fatores como o fechamento da classe política num oligopólio partidário cartelizado, a captura da política pelos interesses económicos, os grandes casos de corrupção de governantes e a incapacidade dos partidos do centro (“mainstream”) em representarem novos interesses dos eleitores, fermentaram um discurso anti-sistema. Se à esquerda, partidos como o “Syriza” ou o “Podemos” elegem como inimigo a “casta política”, o neoliberalismo, a austeridade e os adversários da diversidade sexual, já à direita, o Partido da Liberdade austríaco, o AfD alemão ou a Frente Nacional focam-se no combate identitário ao federalismo europeu, às migrações e à islamização da sociedade.

Múltiplas foram as receitas para travar o populismo, desde os cordões sanitários (França e Alemanha), as ilegalizações (Bélgica), as ameaças de sanções a governos neo-populistas (Grécia, Polónia e Hungria) até ao confronto frontal de ideias ("Brexit" no Reino Unido), sem que, pese avanços e recuos, o fenómeno tenha parado de crescer. E o facto é que: nas próximas semanas, a Áustria terá o governo mais direitista desde a II Guerra mundial, com a forte presença de um partido populista; um partido de centro-direita checo, eurocético e anti-imigração, lutará para formar um governo; e, em 2018, a Itália terá eleições, estando o Movimento 5 estrelas, formado por populistas libertários, no topo das sondagens.

Impactos imediatos. Um sistema de partidos desestrutura-se quando um boa parte do eleitorado: vota em razão da personalidade dos líderes e não de opções programáticas; deserta os partidos tradicionais em favor de partidos anti-sistema; cria grandes oscilações nas votações nos partidos do “mainstream” que registam quedas abruptas; e gera o colapso de velhos partidos e a emergência de novos, num contexto muito volátil. A primeira consequência do fenómeno populista foi a desestruturação do sistema de partidos na Europa. Na Grécia, França e Holanda, os partidos socialistas quase desapareceram, recuando respetivamente para 5,2%, 7,4% e 5,7%, enquanto em Espanha e na Alemanha obtiveram alguns dos seus piores resultados históricos, com 22,6% e 20,5%.

Numa boa parte dos Estados europeus, os populistas ultrapassam os dois dígitos, como é o caso do Movimento Cinco Estrelas em Itália (25%) e do ANO na República Checa (29,6%). À esquerda, teremos o caso do Syriza na Grécia (35,5%) e do Podemos em Espanha (21 %). E à direita, cumpre relevar o Partido da Liberdade na Áustria (25%); o Partido do Povo na Suíça (28%); o Partido Popular na Dinamarca (21 %); o Partido do Progresso na Noruega (15.2%); o Partido da Liberdade na Holanda (13%); a Frente Nacional em França (13%); os democratas da Suécia (12,9%); e o AfD na Alemanha (12,6%).

Ao capturarem votações expressivas, os populistas bloqueiam a alternância entre os partidos do mainstream e seus aliados, forçando coligações entre eles (o chamado bloco central) que emulsionam o crescimento dos extremos (Grécia e Alemanha). Geram, também, alternativamente, ou coligações contra-natura entre partidos que pouco têm em comum, criando governações indecisas (as chamadas coligações  “Jamaica”, como na Holanda e Bélgica) ou fomentam frágeis governos minoritários (Espanha).

A segunda consequência traduz-se na instabilidade governativa, efeito da desestruturação partidária, com repercussões na sociedade civil e no investimento. O terceiro impacto traduz-se na influência da agenda populista nos partidos do mainstream que a incorporam para pôr termo à hemorragia do eleitorado (caso do Partido Liberal Holandês e do Partido Popular austríaco, à direita, e do PSOE espanhol, à esquerda). Já o quarto impacto atinge a União Europeia. O grupo eurocético de Visegrado reforça-se, o Reino Unido ensaia uma saída da União, a Itália ameaça transformar-se num filme feliniano e o motor da União, o eixo franco-alemão, procura dar um vacilante salto em frente, sustentado no “melting pot” do partido de Macron colado com “cola cisne” e a promessa de um novo bloco central alemão, liderado por uma Merkel esgotada e em “fim de estação”.

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