Morreu o soldado norte-americano que fugiu para a Coreia do Norte

Em 1965, Charles Jenkins desertou, planeando exilar-se na União Soviética. Esteve preso quase 40 anos.

Charles Jenkins morreu aos 77 anos
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Charles Jenkins morreu aos 77 anos Reuters/Eriko Sugita
Era casado com Hitomi Soga, também ela prisioneira do regime norte-coreano
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Era casado com Hitomi Soga, também ela prisioneira do regime norte-coreano LUSA/ANDY RAIN

Charles Jenkins, o militar norte-americano que em Janeiro de 1965 atravessou a pé a fronteira coreana em direcção ao Norte, acabando por se tornar prisioneiro do regime de Pyongyang durante quase 40 anos, morreu esta segunda-feira, aos 77 anos, no Japão, onde vivia há mais de uma década. Estava hospitalizado e não resistiu a uma arritmia cardíaca. 

O soldado desertou por receio de morrer na patrulha nocturna que integrava ou de ser enviado para o Vietname. A intenção era pedir asilo na embaixada da União Soviética em Pyongyang e regressar posteriormente aos Estados Unidos, mas a ditadura norte-coreana tinha outros planos para ele.

Jenkins, nascido no estado da Carolina do Norte, estava destacado na Coreia do Sul desde 1960, com um interregno na Alemanha Ocidental entre 1962 e 1964. Foi no ano seguinte que, depois de várias cervejas, decidiu fugir para a Coreia do Norte com outros três soldados norte-americanos. Tinha então 24 anos. Foi o único destes soldados que foi libertado por Pyongyang, décadas depois, e a poder contar a sua história. Ao todo, esteve privado de liberdade 39 anos, seis meses e quatro dias.

James Joseph Dresnok foi outro dos soldados que à época desertou para a Coreia do Norte. Morreu lá, deixando dois filhos, resultado de uma relação com uma romena prisioneira. Os dois filhos, por terem aspecto ocidental, foram usados como actores de propaganda em filmes onde interpretam papéis de norte-americanos cruéis.  

Numa entrevista à CBS em 2005, Charles Jenkins contou como desertou para o Norte. Uma noite, disse aos companheiros que tinha ouvido um barulho e que ia ver o que se passava, e que voltava dentro de minutos. Não regressou. Nessa entrevista, Jenkins mostrou-se arrependido de ter fugido: “Fui parvo. Cumpri a minha pena”.

Em 1980, com 41 anos, conheceu aquela que viria a ser a sua mulher, Hitomi Soga, uma japonesa de 21 anos, outra prisioneira do regime norte-coreano. Soga tinha sido raptada no Japão por agentes norte-coreanos e levada para Pyongyang, juntamente com a sua mãe, para ensinar a língua e os costumes japoneses aos espiões do regime. A japonesa acabaria por perder o rasto à mãe e foi “entregue” a Jenkins.

Um mês depois de se conhecerem, casaram. Mas não de livre vontade. Para além do matrimónio imposto, o casal era obrigado a manter relações sexuais duas vezes por mês. Desta união forçada nasceram duas filhas, Roberta Mika Jenkins e Brinda Carol Jenkins. “Ela era uma prisioneira. Eu era prisioneiro. Ambos odiávamos a Coreia do Norte. Era a única coisa que tínhamos em comum”, contou à CBS.

Durante os anos em que foi prisioneiro, Jenkins foi obrigado a memorizar os discursos dos líderes do regime, a dar aulas de inglês em instituições norte-coreanas e também a participar como actor em filmes de propaganda contra os EUA. Vítima de agressões e tortura por parte dos soldados norte-coreanos, recordou o episódio mais violento que sofreu quando alguém reparou na sua tatuagem do exército norte-americano, “U.S. Army”. A tatuagem foi arrancada com uma tesoura e sem anestesia. A vida na Coreia do Norte “era um inferno”, resume.

Em 2002, a sua mulher foi libertada e regressou ao Japão, depois da visita do primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, ao líder norte-coreano Kim Jong-il. Dois anos depois, Jenkins e as duas filhas juntaram-se a Soga e a família foi viver para a cidade natal da mulher, na ilha de Sado.

Quando se apresentou numa base militar dos EUA no Japão, Jenkins fez de questão de vestir o uniforme. Detido na prisão militar de Yokosuka durante 30 dias, Jenkins foi alvo de um longo interrogatório, acabando por ser libertado. Só então descobriu as mudanças que ocorreram no mundo desde 1965, como da Internet. Nunca regressou ao EUA.

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