Dado um primeiro passo para travar a doença de Huntington

A primeira fase de testes em doentes de um medicamento que pode retardar a progressão da doença de Huntington teve resultados positivos, abrindo caminho a ensaios mais alargados.

Foto
DR

A doença de Huntington conheceu agora novos desenvolvimentos para travar a sua progressão. Uma equipa de investigadores da University College de Londres testou, com resultados iniciais positivos divulgados esta segunda-feira, um medicamento desenvolvido pela empresa farmacêutica Ionis que baixa os níveis de proteínas tóxicas no cérebro. A investigação mostra que há possibilidades de retardar o avanço da doença (“silenciando” o gene defeituoso que causa a doença), mas esta é, ainda, a primeira fase da investigação.

O próximo passo é aumentar a escala dos testes deste medicamento – com o nome Ionis-htt (Rx) –, aumentando o número de doentes e o tempo de monitorização, já que, nesta primeira fase, o teste do medicamento nos voluntários durou apenas quatro meses. O primeiro ensaio clínico envolveu 46 doentes, no Centro de Neurologia Experimental Leonard Wolfson do Hospital Nacional para Neurologia e Neurocirurgia, em Londres. Ainda numa fase muito precoce da investigação, os resultados deste primeiro teste – que pretendia analisar possíveis problemas com a segurança e a tolerância a este fármaco, injectado na coluna vertebral – abrem caminho para continuar o trabalho desta equipa liderada por Sarah Tabrizi, professora de neurologia clínica na University College de Londres.

Não existe cura para a doença de Huntington, nem forma de travar o seu desenvolvimento – o que eleva a importância desta investigação. O único tratamento para passa por tentar atrasar os sintomas e aumentar o tempo de autonomia e actividade de quem sofre desta doença, causada pelo defeito num único gene e que provoca danos irreversíveis no cérebro.

A doença tem a sua origem num gene (que todos temos) que codifica as instruções de fabrico da proteína huntingtina. Neste gene, o usual é haver uma repetição da sequência das moléculas citosina, adenina e guanina (C-A-G) menor do que 20 vezes. Mas numa pessoa com doença de Huntington esta sequência expande-se para uma repetição de, pelo menos, 36 vezes. “Uma das áreas do cérebro mais afectadas é o estriado, que está relacionada com o movimento”, sintetiza Ana Cristina Rego, investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. “Mais tarde acaba por afectar o córtex cerebral e pode mesmo conduzir a alterações cognitivas”, explica.

Este novo medicamento procura as células responsáveis pela produção da proteína huntingtina, para diminuir a quantidade da proteína, atrasando a progressão da doença. Através da recolha de líquido cefalorraquidiano, é possível observar a progressão ou não da doença, com recurso a análises antes e depois do tratamento. Numa informação divulgada na página de Sarah Tabrizi na Internet, constata-se a existência de uma “redução da huntingtina mutante no sistema nervoso”, o que demonstra que o medicamento, nesta primeira fase, está a ter os efeitos pretendidos.

A função deste fármaco é quebrar esta progressão “silenciando” o mensageiro. A mensagem (ou as instruções para criar a proteína huntingtina) parte do ADN e é copiada pelo ARN-mensageiro, responsável pela passagem de informação do ADN para as fábricas das células no citoplasma. Nos doentes – que herdaram uma das cópias deste gene com as mutações (temos duas cópias, cada uma herdada dos nossos pais) –, este mensageiro dá instruções para o fabrico da proteína huntingtina que desenvolve a doença. O medicamento serve-se de pequenos pedaços de ADN, para alterar o funcionamento, neste caso, do ARN que resulta das mutações genéticas envolvidas na doença, silenciando-o, para baixar assim a produção da proteína defeituosa.

Há quem fale na “maior descoberta no campo das doenças neurodegenerativas dos últimos 50 anos”, como disse à BBC “online”. John Hardy, investigador na área da doença de Alzheimer. Ana Cristina Rego, que investiga a doença de Huntington no Centro de Neurociências e Biologia Celular, aponta na mesma direcção que a equipa de cientistas, reiterando que “qualquer avanço na investigação da doença é positivo”, mas avisando que “será necessário comprovar a eficácia do tratamento num maior número de doentes”, tal como deverá ser efectuado na segunda fase deste processo.

Nesse segundo ensaio clínico, a empresa farmacêutica Roche já estará envolvida. Esta empresa suíça tinha um acordo prévio para comprar o produto e accionou essa cláusula após o sucesso da primeira fase dos ensaios clínicos, num negócio que lhe custou mais de 38 milhões de euros. A empresa suíça garante assim responsabilidades no desenvolvimento, regulação e comercialização do fármaco.

A doença é hereditária e autossómica, ou seja, caso um dos pais tenha a doença, a probabilidade de os filhos a herdarem é de 50%. Manifesta-se em qualquer idade ou género, apesar de aparecer maioritariamente entre os 30 e os 50 anos, determinando uma esperança de vida após o diagnóstico que não costuma ultrapassar os 15 anos. Em Portugal afecta cerca de 150 famílias, de acordo com Ana Cristina Rego, uma das principais investigadoras portuguesas desta doença. O gene afectado foi descoberto em 1993, mas os desenvolvimentos científicos sobre a doença degenerativa têm sido em torno da melhoria de vida dos doentes ou do alívio de sintomas.

Também conhecida como “coreia de Huntington”, o nome dado pelo médico que a descobriu em 1872, a falta de autonomia e os movimentos involuntários são o espelho físico da doença nos pacientes. Mas, como faz questão de destacar a investigadora portuguesa, os sintomas podem começar antes, sem serem visíveis, com o isolamento e a depressão a poderem marcar o desenvolvimento da doença. Os sintomas mentais e motores podem ser minimizados com certos medicamentos, mas ainda não é possível impedir a progressão da doença – pelo menos, para já.

Texto editado por Teresa Firmino

Sugerir correcção
Comentar